O Papa visita Espanha

Jorge Messias
A visita de João Paulo II a Madrid marcou o regresso do papa à rotina das viagens ao estrangeiro. A fase que a sua saúde atravessa parece ser favorável a este tipo de deslocações e o cardeal Wojtyla não cessa de dar provas de possuir uma vontade férrea. Segundo previsão dos bispos espanhóis, mais de 800 mil visitantes seriam esperados pelos hotéis da capital espanhola. Esta deslocação, pelo seu perfil, sugere duas ou três observações críticas.
A primeira é de natureza política. Com efeito, o Estado espanhol foi um dos quatro signatários da Declaração de apoio à agressão norte-americana ao Iraque. Agora, quinze dias somente após a derrocada militar iraquiana, João Paulo II escolheu precisamente a católica Espanha para retomar o seu ciclo de peregrinações. No plano da política interna, a visita ocorre pouco antes da realização das eleições autárquicas e autonómicas espanholas. Muito mal tratados pelo caso do Prestige e pelas posições assumidas ao lado da agressão ao Iraque, Aznar e o PPD vêem os seus bastiões vacilar. A visita de João Paulo II pode constituir para o campo conservador espanhol um inestimável apoio. A segunda anotação é económica. A deslocação do Papa a Espanha foi orçamentada em1,5 milhão de euros. Trata-se de uma estadia curta, de 30 horas. Mas como as visitas papais ao estrangeiro nunca revertem em prejuízo dos cofres do Vaticano, foram cuidadosamente seleccionados os patrocinadores desta viagem (os primeiro dos quais são a cadeia de restaurantes McDonalds e a Internet) e estabeleceram-se os preçários dos serviços e mercadorias a transaccionar nesta curta digressão espiritual. A comunicação social forneceu alguns dados sobre essas tabelas de preços. Os bilhetes de ingresso no Aeroporto de Madrid onde se previa que decorresse a missa de despedida, em 4 de Maio, custavam (conforme a localização das cadeiras) entre 10 e 40 euros; cada «saco do peregrino» vendido pela organização estava tabelado a 40 E. (adultos ) e 30 E. (jovens): continha senhas de refeições nos McDonalds, um boné, um terço, biografias dos cinco beatos a canonizar, músicas oficiais de acompanhamento da missa, um mapa de Madrid, o Evangelho de S. Marcos e uma apólice de seguros. Aqueles que preferissem não sair de casa podiam receber online, pela Internet, a bênção papal ou enviar ao papa mensagens via SMS , a 0.90 E. cada, anunciar ofertas e donativos, transmitir a João Paulo II fotografias suas ou dos seus parentes e amigos. Depois, a organização reunia as fotos enviadas, instalava-as em painéis gigantescos e pedia ao cardeal Wojtyla que as abençoasse. A McDonalds admitiu estar a realizar um bom negócio. O terceiro comentário é eclesial. Esta visita-relâmpago a Espanha provocou um acentuado mal-estar entre os católicos mais evoluídos. Em todas as suas anteriores estadias em solo espanhol, o papa tem revelado uma visão ultraconservadora da política e da igreja. Costuma referir a memória da Guerra Civil de Espanha. Mas quando leva ao altar os mártires desse tempo, só se lembra dos padres franquistas. A Espanha continua dividida. E no País Basco, na Catalunha ou na Andaluzia, ainda estão presentes os nomes de centenas de sacerdotes católicos que o fascismo torturou e assassinou. Do mesmo modo, não passa despercebido à opinião pública que o capitalismo está a tentar talhar uma Europa à sua medida - económica, política e socialmente submissa. Nessa Europa dos mais ricos, a igreja ambiciona para si a gorda fatia da acção caritativa. Ora, os novos santos que João Paulo II foi canonizar a Madrid têm sido apresentados pelas empresas católicas de «marketing» como sendo «Os Cinco Gigantes da Caridade». Estabelecem-se as referências que permitem organizar as acções políticas que se aproximam. Coloca-se então à consciência católica uma dúvida central: é a visita do papa simultaneamente espiritual, política, comercial e solidária? Mas, solidária com quem? Com o povo espanhol, a braços com uma tentacular taxa de desemprego ou apenas solidária com os grandes grupos económicos? Solidária com a tradição de autonomia das várias regiões de Espanha ou com as tenebrosidades repressivas do governo de Madrid? Identifica-se o Vaticano com os católicos conciliares ou com o espesso obscurantismo da igreja espanhola? Mais tarde ou mais cedo, estas respostas terão de ser encontradas.


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