Desatino parlamentar

Jorge Cordeiro
A aprovação da lei dos partidos e do respectivo sistema de financiamento agora aprovados pelo Parlamento, tidos por uns como exemplo da transparência política e assumidos por outros como um excelente passo na consolidação da democracia constitui, pelo processo que lhes deu vida e pelo conteúdo que encerram, uma lamentável expressão de degradação política e democrática.
O espectáculo dado pelas maiorias que viabilizaram cada um daqueles projectos, independentemente dos posteriores arrufos entre os líderes do PS e do PSD a propósito de um dos diplomas, ficará porventura para a história da vida parlamentar.
Quanto ao processo desde logo pela forma indigna com que, pelo atropelo de regras de funcionamento parlamentar em função de jogos e negócios de bastidores, se aprovaram à pressa aqueles diplomas. Mas sobretudo pelo ridículo que constitui a decisão de a par de tão insane urgência para a aprovação da legislação sobre o financiamento partidário, na base da qual se justificaram o conjunto de tropelias e de desatino parlamentar , ela dispor que a sua entrada em vigor se fará em 2005!
Quanto ao conteúdo por duas ordens de razões. A primeira porque a Lei dos Partidos constitui uma inaceitável ingerência no funcionamento interno dos partidos, uma abusiva e antidemocrática tentativa de regulamentar e nivelar a vida de todos e cada um à imagem de padrões e vícios daqueles mesmos que impuseram pelo voto a sua aprovação.
A segunda porque na mesma linha da primeira, a legislação sobre financiamento dos partidos, traduz exemplarmente uma concepção que tende a querer reduzir os partidos a departamentos do Estado, dele vivendo e financeiramente dependendo, na base da qual se justificam as chocantes decisões de duplicar as subvenções do Estado e de ampliar os limites de despesa com as campanha eleitorais.
Talvez a data em que esta legislação se viu aprovada, o 24 de Abril, seja em si simbólica expressão do retrocesso democrático que em si constitui. Ainda que assim as maiorias que as aprovaram, agora com a consciência aliviada e o sentimento de dever cumprido de terem correspondido ao apelo presidencial de reformar o sistema político, poderão prosseguir pelas suas políticas e atitudes a nivelar por baixo a vida política nacional e a contribuir para a progressiva desconfiança com que muitos portugueses a olham. Não por culpa do sistema político em abstracto mas pela expressão concreta das políticas que os governam e do seu futuro decidem.


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