Do exílio à liberdade
Enfrentando a opressão do regime fascista, Helena Rato, comunista e filha de pais comunistas, cedo se viu confrontada com a necessidade de fugir para o estrangeiro. Com apenas a roupa no corpo, a então exilada, passou as «passas do Algarve» para chegar, por fim, ao país que a acolheu, a Bélgica.
«A primeira recordação que tenho da minha infância é de uma imagem de grades. Curiosamente não do meu pai, mas de um homem com um pulóver vermelho, sem mangas, e um cachecol», recordou Helena Rato, economista, neste momento na carreira de investigação científica.
Nascida no seio de uma família de comunistas, em 1944, Helena Rato, cedo se viu confrontada com as dificuldades de uma sociedade repressora e salazarista. «A casa dos meus pais serviu durante muito tempo de ponto de apoio ao secretariado do PCP e aos membros do Comité Central. Vivia-se numa situação de cerco, em que por exemplo, não me podia encontrar com uma das minhas melhores amigas, porque os pais dela, assim como os meus, também tinham funções dentro do Partido», lamentou a antiga exilada.
Mas os seus problemas, doseados por algumas dúvidas, não se cingiam apenas aos normais e banais dilemas de uma criança, filha de país comunistas. Havia ainda a questão da religião. «Embora as pessoas hoje não acreditem, naquela altura uma pessoa que não fosse católica, apostólica e romana, à partida era uma pessoa suspeita. Ou então ateia, pior a emenda que o soneto. O facto é que este problema se pôs, e assim que eu fui para a escola, logo na primeira aula, a professora perguntou quem é que não era baptizado». Levantaram-se duas pessoas, recordou Helena Rato, «quando ela me perguntou porque é que eu não o era, respondi-lhe, segundo as orientações dos meus pais, que era protestante e que só podia ser baptizada a partir dos 18 anos».
As greves de 62
Anos mais tarde, Helena Rato entrou para o Instituto Superior Técnico e depressa se ligou à organização académica. «Em 1961, ano de eleições para a Assembleia Nacional, comecei a namorar com um moço de Direito, muito activo dentro do Partido. Depois, e como ele fazia a ponte entre a oposição democrática com outros sectores, quando terminaram as eleições, ele foi preso. Como eu estava na RIA (Reunião Inter-Associações) começámos então a fazer alguma pressão, junto das associações de estudantes, para denunciar as torturas feitas nos calabouços da PIDE».
Numa altura de grande ansiedade e vontade de fazer qualquer coisa, surge-lhe então José Bernardino, «um indivíduo muito determinante, mas também muito teimoso. Era uma figura bastante conhecida no mundo universitário, e a determinada altura começou-nos a difundir a ideia de uma greve universitária».
Passado um ano, com o movimento universitário a crescer, sustentado pela organização do PCP, dão-se as greves de 1962. «Os estudantes concentraram-se na Cidade Universitária. Cercados pela polícia, sentámo-nos no chão, a cantar o hino nacional, degrau após degrau, lá aguentámos, com muitas cabeças partidas, a brutalidade da polícia», recordou, mesmo assim, com traço de alegria nos olhos.
Passados alguns dias, Helena Rato recebe um telefonema a avisar que havia sido denunciada. «Com 19 anos, e 20 escudos na carteira, não sabia o que fazer. Foi então que me lembrei que a minha mãe, por volta daquela hora, costumava ir ao mercado da Praça do Chile, em Lisboa, fazer compras. Quando lhe contei, deu-me mais dinheiro e conseguiu arranjar um lugar para eu ficar».
Sair de Portugal
Algum tempo depois, grávida de oito meses, a situação do jovem casal estava cada vez mais complicada e, porque não tinham condições para ir para a clandestinidade, decidiram casar e sair do País.
«Retomámos uma saída, no Algarve, que estava fechada à muito tempo. Chegámos a uma aldeia, onde havia uma festa, e de repente, saltou um velho, de cajado na mão, à nossa frente. O homem quando me viu, com aquela barriga, entrou em pânico e disse que não podia fazer a travessia. No entanto, nós lá o convencemos e seguimos viajem».
Percorrendo vários quilómetros de carro, «por um caminho de cabras», e vários outros a pé, feridos, cansados e completamente exaustos, lá chegaram a Espanha onde havia alguém à espera, que os levou para uma estação de comboio.
«Sem qualquer muda de roupa, tomámos um comboio que parou em todas as estações até Madrid. Uma vez lá, tivemos alguma sorte, porque no aeroporto, onde íamos apanhar o avião para Paris, a polícia espanhola, que desconfiou de nós, no entanto, ao ver o meu estado, carimbou de imediato o passaporte».
No seu primeiro dia, um pouco perdidos na capital francesa, a sorte voltou a bater à porta do casal. «Estávamos sentados numa daquelas esplanadas francesas, no dia 14 de Julho, num ambiente de grande euforia, quando olhei para um grupo de pessoas e vi o Eduardo Serra, um amigo de Portugal, que nos levou para a casa dele e nos guiou até ao nosso contacto», contou a exilada.
«O pior foi onde ficar», relatou Helena Rato, porque os portugueses, a viver em Paris, não tinham condições para alojar ninguém. «Também não podíamos ficar nos hotéis, porque havia uma lei de protecção à infância, e como eu estava quase a ter a criança, não nos aceitaram».
Da Argélia até à Bélgica
Como não tinham documentos, nem trabalho, a sua situação continuava a ser bastante problemática. Helena Rato e o seu companheiro decidiram então viajar para a Argélia.
Num país com mentalidades e características diferentes das da Europa, o casal, com o segundo filho já nascido, uma menina, decidiram ir então para a Bélgica. «Enfrentámos então um novo problema, que era não termos o estatuto de refugiado, e as entradas para a Europa serem feitas pela França. Entretanto, através dos nossos contactos, arranjaram-me um passaporte do MPLA, que tinha o nome de Paulo Jorge, foi por isso fácil de falsificar, bastava por uma perninha no "a" e ficava Paula. O problema foi fazer um selo para averbar a ida dos meus filhos comigo».
«Como era asneira ir directamente para a Bélgica», Helena Rato, e os seus dois filhos, foi primeiro para Amsterdão para depois apanhar um comboio com o destino final - Bélgica. Como não havia, naquela altura, emprego para as mulheres, a exilada decidiu recomeçar a estudar economia. Sendo uma aluna exemplar, tirou o curso de economia e mais tarde, um mestrado em econometria.
Helena Rato, mulher decidida e militante, contou ainda ao Avante! o momento em que soube da Revolução dos Cravos. «Estava em casa quando o meu segundo companheiro, um francês, ouviu na rádio que havia ocorrido uma revolução política em Portugal. O que eu acho espantoso foi a percepção da conquista da dignidade de ser português, onde as pessoas, no estrangeiro, passaram-nos a olhar de uma maneira diferente».
Nascida no seio de uma família de comunistas, em 1944, Helena Rato, cedo se viu confrontada com as dificuldades de uma sociedade repressora e salazarista. «A casa dos meus pais serviu durante muito tempo de ponto de apoio ao secretariado do PCP e aos membros do Comité Central. Vivia-se numa situação de cerco, em que por exemplo, não me podia encontrar com uma das minhas melhores amigas, porque os pais dela, assim como os meus, também tinham funções dentro do Partido», lamentou a antiga exilada.
Mas os seus problemas, doseados por algumas dúvidas, não se cingiam apenas aos normais e banais dilemas de uma criança, filha de país comunistas. Havia ainda a questão da religião. «Embora as pessoas hoje não acreditem, naquela altura uma pessoa que não fosse católica, apostólica e romana, à partida era uma pessoa suspeita. Ou então ateia, pior a emenda que o soneto. O facto é que este problema se pôs, e assim que eu fui para a escola, logo na primeira aula, a professora perguntou quem é que não era baptizado». Levantaram-se duas pessoas, recordou Helena Rato, «quando ela me perguntou porque é que eu não o era, respondi-lhe, segundo as orientações dos meus pais, que era protestante e que só podia ser baptizada a partir dos 18 anos».
As greves de 62
Anos mais tarde, Helena Rato entrou para o Instituto Superior Técnico e depressa se ligou à organização académica. «Em 1961, ano de eleições para a Assembleia Nacional, comecei a namorar com um moço de Direito, muito activo dentro do Partido. Depois, e como ele fazia a ponte entre a oposição democrática com outros sectores, quando terminaram as eleições, ele foi preso. Como eu estava na RIA (Reunião Inter-Associações) começámos então a fazer alguma pressão, junto das associações de estudantes, para denunciar as torturas feitas nos calabouços da PIDE».
Numa altura de grande ansiedade e vontade de fazer qualquer coisa, surge-lhe então José Bernardino, «um indivíduo muito determinante, mas também muito teimoso. Era uma figura bastante conhecida no mundo universitário, e a determinada altura começou-nos a difundir a ideia de uma greve universitária».
Passado um ano, com o movimento universitário a crescer, sustentado pela organização do PCP, dão-se as greves de 1962. «Os estudantes concentraram-se na Cidade Universitária. Cercados pela polícia, sentámo-nos no chão, a cantar o hino nacional, degrau após degrau, lá aguentámos, com muitas cabeças partidas, a brutalidade da polícia», recordou, mesmo assim, com traço de alegria nos olhos.
Passados alguns dias, Helena Rato recebe um telefonema a avisar que havia sido denunciada. «Com 19 anos, e 20 escudos na carteira, não sabia o que fazer. Foi então que me lembrei que a minha mãe, por volta daquela hora, costumava ir ao mercado da Praça do Chile, em Lisboa, fazer compras. Quando lhe contei, deu-me mais dinheiro e conseguiu arranjar um lugar para eu ficar».
Sair de Portugal
Algum tempo depois, grávida de oito meses, a situação do jovem casal estava cada vez mais complicada e, porque não tinham condições para ir para a clandestinidade, decidiram casar e sair do País.
«Retomámos uma saída, no Algarve, que estava fechada à muito tempo. Chegámos a uma aldeia, onde havia uma festa, e de repente, saltou um velho, de cajado na mão, à nossa frente. O homem quando me viu, com aquela barriga, entrou em pânico e disse que não podia fazer a travessia. No entanto, nós lá o convencemos e seguimos viajem».
Percorrendo vários quilómetros de carro, «por um caminho de cabras», e vários outros a pé, feridos, cansados e completamente exaustos, lá chegaram a Espanha onde havia alguém à espera, que os levou para uma estação de comboio.
«Sem qualquer muda de roupa, tomámos um comboio que parou em todas as estações até Madrid. Uma vez lá, tivemos alguma sorte, porque no aeroporto, onde íamos apanhar o avião para Paris, a polícia espanhola, que desconfiou de nós, no entanto, ao ver o meu estado, carimbou de imediato o passaporte».
No seu primeiro dia, um pouco perdidos na capital francesa, a sorte voltou a bater à porta do casal. «Estávamos sentados numa daquelas esplanadas francesas, no dia 14 de Julho, num ambiente de grande euforia, quando olhei para um grupo de pessoas e vi o Eduardo Serra, um amigo de Portugal, que nos levou para a casa dele e nos guiou até ao nosso contacto», contou a exilada.
«O pior foi onde ficar», relatou Helena Rato, porque os portugueses, a viver em Paris, não tinham condições para alojar ninguém. «Também não podíamos ficar nos hotéis, porque havia uma lei de protecção à infância, e como eu estava quase a ter a criança, não nos aceitaram».
Da Argélia até à Bélgica
Como não tinham documentos, nem trabalho, a sua situação continuava a ser bastante problemática. Helena Rato e o seu companheiro decidiram então viajar para a Argélia.
Num país com mentalidades e características diferentes das da Europa, o casal, com o segundo filho já nascido, uma menina, decidiram ir então para a Bélgica. «Enfrentámos então um novo problema, que era não termos o estatuto de refugiado, e as entradas para a Europa serem feitas pela França. Entretanto, através dos nossos contactos, arranjaram-me um passaporte do MPLA, que tinha o nome de Paulo Jorge, foi por isso fácil de falsificar, bastava por uma perninha no "a" e ficava Paula. O problema foi fazer um selo para averbar a ida dos meus filhos comigo».
«Como era asneira ir directamente para a Bélgica», Helena Rato, e os seus dois filhos, foi primeiro para Amsterdão para depois apanhar um comboio com o destino final - Bélgica. Como não havia, naquela altura, emprego para as mulheres, a exilada decidiu recomeçar a estudar economia. Sendo uma aluna exemplar, tirou o curso de economia e mais tarde, um mestrado em econometria.
Helena Rato, mulher decidida e militante, contou ainda ao Avante! o momento em que soube da Revolução dos Cravos. «Estava em casa quando o meu segundo companheiro, um francês, ouviu na rádio que havia ocorrido uma revolução política em Portugal. O que eu acho espantoso foi a percepção da conquista da dignidade de ser português, onde as pessoas, no estrangeiro, passaram-nos a olhar de uma maneira diferente».