Ainda a formação dos trabalhadores portugueses

Francisco Silva

Os horários a que acontecem os programas Prós e Contras são absolutamente impraticáveis ou quase para quem deva cumprir um horário normal de trabalho. Como aliás geralmente me acontece nas escassas ocasiões em que por esta ou aquela razão pretendo assistir a programas na televisão. Tal quase apenas só não acontece com as transmissões de certos jogos de futebol que escolho para visionar (e ir também ouvindo os sons produzidos pelo público que a eles assiste à mistura com os comentários dos locutores destacados). Mas entre períodos de dormida lá vou conseguindo apanhar certas «coisas» a desafiarem reacções.

E não estava eu a pretender referir-me, no presente texto, ao debate da sessão do programa sobre o anti-americanismo europeu a propósito da então [ainda] programada guerra contra o Iraque. Mas não consegui evitar comentar o facto de me parecer que se tem estado, e designadamente esteve também no referido programa, a procurar transformar a oposição a tal guerra numa questão de anti-americanismo: uma diversão. E se o caso fosse ao contrário, se fossem os EUA a oporem-se à guerra, seria anti-americanismo estar a favor da guerra? Com franqueza, senhores, envergonhem-se! Olhem mas é para as vossas consciências.

Foi-me inevitável tecer este comentário - eles julgam que somos patetas ou que, pelo menos, aceitamos fingir que somos patetas e que, portanto, aceitamos estar ao seu nível de desumanidade e imoralidade! -, mas agora passo adiante em direcção ao tema que tinha em mente. Ou seja, vou voltar à questão da «tal» famosa deficiência de formação da nossa mão-de-obra, reaparecida em Prós e Contras anterior a este do anti-americanismo, e que já comentei em anterior texto. O tal Prós e Contras que serviu para provar que a política económica do actual Governo não tem responsabilidade no imenso descalabro social que vai por aí…

E a minha entrada nesta matéria foi muito estimulada pela reacção actual «deles», dos tais do mesmo grupo («Bloco Central»?) que tudo tem feito para evitar, por exemplo, a formação de médicos e outros técnicos de saúde em quantidade minimamente suficiente - e não é que faltem candidatos de grande categoria. Do mesmo grupo que se bateu pela «Universidade» privada que «temos», a qual se há coisa que não privilegie é o estudo de ciências e tecnologias que obriguem a investimentos que suguem os tão almejados lucros - preferem talvez os cursos baratinhos de lápis e papel. E os livros, que vão consultá-los às bibliotecas das Universidades públicas. Etc.

Então agora, perante a enormidade do desemprego de muitos milhares de jovens licenciados universitários mais o subemprego de tantos outros, eles têm que dizer alguma coisa, não é? Sob pena de terem de aceitar terem estado, eles - os dirigentes económicos e políticos do bloco do Poder -, a dizer que havia falta de formação e afinal não há. E então uns há, aceito, mais comedidos, que afirmam estar os cursos desfasados em relação às necessidades dos postos de trabalho. Outros, à maneira do Passado mais ignominioso, vidé o ex-ministro Catroga, no tal Prós e Contras, a parecer querer voltar à antiga divisão, a seguir à 4.ª, entre liceu e ensino técnico-comercial!

Incomodados, os Senhores? Porque agora já não conseguem esconder a sua incompetência em construir um tecido económico empregando recursos com formação universitária, próprio de um país desenvolvido, em cujo grupo - remonta tal ao tempo de Cavaco - já nos teriam incluindo? À mostra a careca? Incomodados - mas secreta e inconfessadamente - por a área universitária ter maciçamente deixado de ser uma coutada dos filhos de um grupo restrito de famílias? Acabada a reserva, acaba a respeitosa designação dos «drs» e acaba também a possibilidade automática dos cargos com «prestígio» para a generalidade dos licenciados.

Mas se aceitássemos (i) o facto - do que eu não estou nada convencido (antes estou bem convencido que existirão a menos) - de haver licenciados universitários a mais para as necessidades de um País que devia procurar vencer o seu endémico atraso e (ii) o outro facto, também frequentemente citado, das proporções entre os diversos tipos de licenciatura estarem fundamentalmente desadaptadas, coloca-se, de imediato, a questão de apurar se é normal do ponto de vista da economia de mercado acontecerem tão profundos desequilíbrios sem correcções, de saber por que não funciona o automático do mercado para a força de trabalho.

Vá lá, epígonos sem dúvidas da mais pura e dura economia de mercado, vá lá, expliquem por que razão os mecanismos da mão invisível(?) estarão a disfuncionar tanto?



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