As ovelhas Dolly e o sistema político

Jorge Cordeiro

Talvez não tão surpreendentemente quanto isso, PS e PSD recuperaram, em harmoniosa sintonia, o processo de alterações ao sistema político e mais em particular o da lei dos partidos. Bastaria desviar um pouco a cortina das aparentes discordâncias, laboriosamente construídas na base de umas quantas zangas e arrufos de damas ofendidas em questões laterais, para por detrás dela emergir, de modo indisfarçavel, o bloco central de interesses que une em tudo o que é fundamental PS e PSD : do pacote laboral ao Programa de Estabilidade e Crescimento, da segurança social às privatizações.

O que estes dois partidos em conjunto prosseguem é desde logo o objectivo de transformar os partidos em departamentos do Estado, à custa dele vivendo e dele naturalmente dependendo. Mas é também e sobretudo o de procurarem consagrar um vasto conjunto de ingerências do Estado na vida, funcionamento e organização interna dos partidos, submetendo-os de forma detalhada a um modelo único que ofende e liquida a independência de organização de cada força política e a vontade dos militantes de cada Partido. Porventura inspirados pelo que realmente os une e caracteriza, expressões siamesas dos mesmos interesses de classe e das mesma política essenciais, PS e PSD querem, agora, impor por lei, a outros, regras de funcionamento que para si escolheram como modelo, recusar o direito de ser diferente a quem não só quer continuar a ser como de facto o é.

Entendamo-nos. PS e PSD estão no inteiro direito de, entusiasmados pela harmoniosa identidade de interesses e de opções políticas, seguirem imitando-se, rivalizarem na defesa das mesmas políticas, disputarem os mesmos interesses, organizarem-se de modo idêntico. O que não têm é a mínima legitimidade de procurar estender a outros a assumida opção de clonagem política que para si escolheram, de quererem sujeitar outros a engrossar o rebanho político de ovelhas Dolly em que se transformaram e integram. As regras e formas de organização de cada Partido são, para além de inalienável reserva de decisão dos militantes que soberanamente sobre elas decidem, inseparáveis dos objectivos políticos, da natureza de classe e do projecto de sociedade próprios a cada um. É essa diferença que apesar das pressões dominantes e das deserções de convicção, os comunistas querem continuar a afirmar como condição essencial de sucesso para a luta que prosseguem e pelo objectivo da construção de uma nova sociedade pela qual com todo o direito lutam.



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