«Nós somos contra a guerra»
Os governos da França, Rússia e Alemanha adoptaram segunda-feira uma declaração conjunta defendendo o desarmamento do Iraque por meios pacíficos.
O presidente russo, Vladimir Putin, juntou-se esta semana ao «eixo franco-alemão».
Logo à chegada de Putin a Paris, na segunda-feira, o presidente francês revelou a importância dada à visita do dignatário russo indo receber o seu homólogo ao aeroporto, quebrando assim o rigoroso protocolo do Eliseu. Não foi preciso esperar muito para perceber a razão desta atitude. À noite era divulgada a declaração conjunta da França, Rússia e Alemanha, que Putin resumiu numa frase que iria correr o mundo: «Nós somos contra a guerra».
Na declaração, a Rússia, Alemanha e França afirmam-se «favoráveis à continuação das inspecções e a um reforço substancial da capacidade humana e técnica por todos os meios possíveis e em coordenação com os inspectores» e dizem-se «determinadas a garantir que seja feito todo o possível para desarmar o Iraque de forma pacífica».
O documento refere ainda que os debates sobre os meios para desarmar o Iraque «devem prosseguir dentro do espírito de amizade e de respeito que caracteriza as relações com os Estados Unidos e outros países».
Segundo Jacques Chirac, «ainda existe uma alternativa para a guerra», e «nada justifica hoje uma guerra», tanto mais que, como referiu Putin, o Iraque «está a prestar mais informações e tem mostrado um grande desejo e concordância em cooperar».
Antes de chegar a Paris, o presidente russo fez escala em Berlim para acertar os termos da declaração com o primeiro-ministro alemão, Gerhard Schröder. Tal como os seus parceiros, a Rússia está pronta a oferecer «equipamentos e aviação» para reforçar as inspecções no Iraque.
Indignação dos EUA
O novo eixo Paris-Moscovo-Berlim agravou a polémica desencadeada no final da Conferência de Munique, quando a imprensa alemã noticiou a existência de um «plano franco-alemão» destinado a evitar um ataque unilateral ao Iraque. Segundo as informações então vindas a lume, os dois países estariam a preparar um projecto prevendo o envio de «capacetes azuis» para o território iraquiano para garantir o desarmamento do regime de Saddam.
Os EUA reagiram com indignação, não só por existir uma iniciativa, ainda por cima contrária aos seus objectivos (Washington reserva-se cada vez mais o direito de ser o único a apresentar medidas de alcance internacional), como por ter tomado conhecimento dela pela imprensa. Considerando não ser esta «a melhor maneira de fazer uma discussão», Rumsfeld terá mesmo chegado ao ponto de dizer que não era assim que se ganhava «as boas graças» dos EUA.
A existência do plano foi desmentida, sem grande convicção, tendo responsáveis franceses e alemães apenas confirmado que havia uma proposta, a apresentar na ONU, para aumentar o número de inspectores no Iraque. As explicações não chegaram a acalmar os ânimos exaltados de Washington, que voltaram a ficar ao rubro com a entrada da Rússia no «eixo franco-alemão».
Crise na NATO
A França, a Bélgica e a Alemanha abriram no início da semana uma das mais graves crises da história da NATO ao vetarem a adopção de «medidas imediatas» para a defesa da Turquia, país membro da Aliança que faz fronteira com o Iraque.
Os três países justificaram o seu veto argumentando que preparar a eventualidade de um conflito representa a aceitação implícita da sua inevitabilidade da guerra, o que entendem não ser o caso por ainda não se terem esgotado as soluções diplomáticas para a resolução do problema iraquiano.
A reacção ao triplo veto - nunca utilizado desde a criação da Aliança Atlântica, em 1948 - não se fez esperar. Enquanto a Aliança Atlântica se desdobra em reuniões para ultrapassar o impasse, os EUA responsabilizam os aliados recalcitrantes de provocarem uma grave «crise de credibilidade» da NATO.
O secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, reagiu ao triplo veto dizendo que era «uma vergonha», garantindo no entanto que não vai mudar nem atrasar os planos americanos. «Acho que é um erro, e o que temos a fazer nos Estados Unidos é certificarmo-nos de que o planeado segue em frente, de preferência no âmbito da NATO, ou então bilateralmente ou com bilateralidades múltiplas», declarou Rumsfeld à imprensa. Interrogado se a decisão dos três países adiaria um possível ataque ao Iraque, o secretário de Defesa respondeu: «Não, porque o planeado irá por diante fora da NATO, se necessário».
Também o presidente Bush se declarou «desapontado» por ver a França «impedir a NATO de ajudar um país como a Turquia a preparar-se» para uma possível guerra.
Os EUA pretendiam que a NATO enviasse baterias de mísseis anti-míssel "Patriot" para o sul da Turquia, a utilização de aviões-radar "AWACS" para a vigilância aérea do país e o envio para Ancara de unidades especializadas na protecção contra ataques biológicos e químicos.