Comentário

Trabalhar... só a brincar!

Sandra Pimenta

Não sei se por influência de todo este mediatismo do caso «Casa Pia» ou se por pensar na ameaça que paira actualmente sobre as crianças iraquianas, dei por mim a pensar que deveria escrever algo relacionado com elas, as crianças. E mais uma vez me lembrei do flagelo do trabalho infantil que existe no mundo inteiro mas que por razões obvias ou talvez não, raramente se fala.

E pensei nisto não só por ser um tema a que geralmente dou grande atenção mas também após ter lido as conclusões saídas da Conferência intitulada «Por uma Europa sem trabalho infantil», que a CNASTI (Confederação Nacional de Acção sobre o Trabalho Infantil) organizou, nos dias 18 e 19 de Janeiro, em Esposende.

É um facto comprovado que, desde sempre, as crianças trabalharam para ajudar as famílias nos campos e nos ofícios artesanais. A extrema fragilidade dos meios de subsistência, no tempo em que as técnicas de produção e a organização social eram precárias, a isso obrigavam, tornando assim necessária a colaboração de todos. A Revolução Agrícola e a Revolução Industrial trouxeram novas necessidades. As minas e as fábricas, passaram a fazer parte da infância de muitas crianças que como o resto dos operários, cumpriam jornadas de trabalho de dezasseis horas.

Centenas de anos se passaram e a realidade é hoje a mesma ou talvez pior. É possível ver sem dificuldade crianças a trabalhar em sectores como a hotelaria, a construção civil, a indústria transformadora, na agricultura, entre muitos outros. E hoje em dia assistimos ao fenómeno de novas formas, ainda consideradas atípicas, de trabalho infantil. Casos da publicidade, da televisão, do cinema e da moda que são preocupantes não só pela visão sedutora que muitas crianças e mesmo os seus pais têm destas «artes» como também pela ausência de controlo por parte de técnicos especializados que possam auferir desta nova forma de exploração das crianças.

Exploração facilitada

A UNICEF estima que uma em cada quatro crianças, do Terceiro Mundo e dos países em vias de desenvolvimento sobretudo asiáticos e africanos, ou seja, mais de 250 milhões de crianças trabalham em condições sanitárias por vezes deficientes, durante um número de horas excessivo, mesmo para adultos, por salários extremamente baixos, sem qualquer tipo de apoio social. As crianças são mão-de-obra dócil e barata, fácil de explorar.

É também assim o trabalho infantil em Portugal que, segundo números da CNASTI, deverá atingir cerca de cinquenta mil crianças (4,2% da população infantil), numa estimativa feita a partir de vários indicadores. Mas dados mais recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) estimam num total de 200 mil, as crianças trabalhadoras no nosso país. Esta discrepância nos números poderá ser causada em grande parte devido ao facto de a maior parte deste flagelo atingir a forma de trabalho domiciliário, o que impossibilita uma maior fiscalização.

E mais grave poderá ficar com a proposta de Código de Trabalho que o Governo português apresentou recentemente e que poderá constituir um retrocesso nos Direitos da Criança pois irá permitir que as crianças possam trabalhar, no período da férias, contribuindo, desse modo, para o aumento do abandono escolar. Depois já será tarde...E o Governo português nunca poderá estar isento de culpas nesta matéria...

Mas a Europa também não está livre deste problema. O trabalho infantil é uma realidade presente na generalidade dos países deste continente, apesar das diferentes formas e dimensões em que ele acontece.

Mas tanto em Portugal como na Europa e ainda no resto do Mundo, as causas são essencialmente económicas. Uma vergonha portanto...a subvalorização do capital face ao valor humano.

Por diversas vezes o Parlamento Europeu aprovou resoluções que recomendam os Estados-membros da União Europeia a «mobilizarem meios para promover os direitos das crianças, que dêem prioridade ao combate ao trabalho infantil, implementando urgentemente programas de acção para a sua erradicação, fazer um balanço da legislação existente e promovendo a respectiva actualização e garantindo uma mais eficaz fiscalização do trabalho infantil, criminalizando os que o promovem».

Assim a resolução do problema passa não só pelo desenvolvimento económico dos países mais pobres, de forma a erradicar a miséria, pelo aumento de sanções aos prevaricadores, por uma maior fiscalização aos locais de trabalho e ainda pelo alargamento da escolaridade obrigatória entre muitas outras possíveis.

O que terá de estar sempre presente nesta luta que parece não ter fim é que o trabalho infantil tem consequências extremamente negativas sobre a saúde e o crescimento da criança. O normal desenvolvimento físico, psíquico, social e emocional das crianças têm exigências que não são nem nunca serão compatíveis com a disciplina do trabalho. Acima de tudo, à criança tem de ser respeitado o direito de crescer, brincar e aprender.



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