O «circo»
Neste tempo de véspera de guerra - tão certa que mesmo os que, como nós, embora protestando a nossa indignação e continuando a exigir uma solução política para as graves questões mundiais, a dão como praticamente começada - não é fácil encontrar, no cesto das notícias, alguma coisa que assegure ser este planeta uma terra de promessas ou este país um lugar de alegrias. Acorda o cidadão ainda as luzes da noite se demoram nas ruas e, espreitando os noticiários da TV, logo lhe asseveram que, uma vez mais, Bush empacotou uns milhares de rapazes e de raparigas em algumas naves de mar ou de ar para demandarem a secura dos desertos onde afiarão as armas de morte. E, apesar dos célebres inspectores, no seu incessante vasculhar, nada de significativo tenham encontrado, a não ser uma ogivas vazias e uns livros sobre o nuclear - lembrando-nos as perquisições da pide e de outras polícias que arrebanhavam tudo, mesmo as cartas da intimidade familiar, à cata de «provas», - a sentença, também neste caso, está antecipadamente ditada para os autos. «Se não foste tu, foi o teu pai, diz o lobo ao cordeiro. Só que o cordeiro, desta vez, não é bicho manso e persiste na devastação do «seu» próprio rebanho.
Se a gente pretende afastar da ideia o negrume da guerra que aí vem, não são as notícias que irão desanuviar-lhe a cabeça. Quando não há uma triste notícia no campo social e político, logo um cheia inunda a cidade, uma enxurrada desfaz os periclitantes abrigos de quem se amassa em redor das metrópoles, um vulcão vomita a sua lava e ameaça sepultar a vizinhança humana, um abalo telúrico rompe o frágil equilíbrio da terra e mata dezenas de pessoas.
Assim amanhece.
Na banca de trabalho, os jornais não nos desmentem. «Os concursos podem acabar no Estado», assegura o fiel Diário de Notícias, perito nas novidades executivas do poder, «esclarecendo» que vai ser «o regresso às nomeações», como se sabe muito mais democrático... Vem depois o Público anunciar «peritos» - sabe-se lá do quê - «propõem propinas mais altas para alunos que chumbem», ao que o ministro terá respondido que «a ideia não lhe repugna». Depois, pelo Correio da Manhã, fica-se a saber que um ex-provedor da Casa Pia é «suspeito de abusos sexuais» e que tal personagem era hoje nem mais nem menos que «assessor principal» da provedoria.
A tudo isto acrescente-se os escândalos que continuam a abalar algumas sumidades do poder autárquico, suspeitos de arrecadarem dinheiros públicos em benefício próprio, de amigos ou de partidos.
Bem pode o Presidente clamar «contra a utilização do crime e da desgraça como circo dos tempos novos». O circo está aí.