O sequestro da ONU
O canal da televisão alemã WDR, no programa semanal «Vetro», entrevistou longamente o ex-funcionário superior da ONU, Hans Graff von Sponeck, o qual explicou muito claramente como as Nações Unidas se encontram actualmente sequestradas pelos EUA. Sponeck abandonou as suas funções naquela organização internacional em sinal de protesto contra o terror e a chantagem exercidos pelo governo norte-americano sobre as Nações Unidas e em particular sobre o Conselho de Segurança.
O diplomata, filho de um general da Wehrmacht assassinado por Hitler por ter recusado submeter-se ao nazismo, salientou a responsabilidade dos Estados Unidos nos atentados contra o direito internacional e os direitos das crianças consignados nas convenções de Genebra e de Haia cometidos sob a bandeira da ONU no Iraque. Sponeck explicou como naquele país centenas de milhares de crianças têm morrido vítimas das sanções impostas pelo Conselho de Segurança às ordens de Washington e como a administração norte-americana tem proibido a ONU de denunciar as suas consequências desastrosas. «Só ao fim de dez anos é que o Conselho de Segurança descobriu que era possível aplicarem-se sanções inteligentes em vez das que têm provocado o extermínio e punição de um povo inteiro» afirmou o diplomata.
Sponeck, que continua a acreditar nas Nações Unidas e por isso mesmo acha ser necessário denunciar esta situação, relembrou que já em 1999 o senador americano de extrema-direita Jesse Helms ameaçara a ONU de que ou fazia o que Washington ordenasse ou seria marginalizada. Idêntica retórica é hoje utilizada pela administração Bush. O ex-diplomata confirmou ainda que «Richard Bufer é agente da CIA» e que os Estados Unidos têm desacreditado a ONU, obrigando-a a infringir a sua própria Carta, utilizando-a para dar cobertura às suas actividades de espionagem e transformando o Conselho de Segurança numa coutada norte-americana.
O massacre humanitário
Entretanto, a imprensa e a TV alemãs deram grande destaque às manifestações do último fim-de-semana, não só na Alemanha mas também em Washington e em S. Francisco, com a maior parte dos órgãos de informação a apontarem para uma participação de meio milhão de manifestantes. Foi igualmente atribuído grande significado à presença de figuras como o reverendo Jesse Jackson, o antigo ministro da Justiça Ramsay Clark e a actriz Jessica Lang à frente do movimento pacifista norte-americano.
Na Alemanha aumentam as contradições no seio da classe dirigente. Cada vez mais sectores dos Verdes, da social-democracia e da democracia-cristã, ainda recentemente atingidos pela cegueira das agressões «humanitárias», começam a manifestar-se abertamente contra a guerra. Até a Conferência Episcopal acaba de condenar com veemência os preparativos bélicos de Washington. Mesmo assim, o ministro da Defesa Peter Struck garantiu a Bush que no caso de os EUA atacarem o Iraque a Alemanha participará com «ajuda humanitária». Ao contrário do que se poderia supor, a ajuda não é destinada ao Iraque mas às tropas do Pentágono. Não se trata de diminuir o sofrimento das vítimas da agressão norte-americana mas de cuidar dos agressores.
Retomando a propaganda que transformou numa «operação humanitária» os bombardeamentos da população civil na Jugoslávia, os governantes social-democratas inventam mais uma variante semântica daquele conceito: «a ajuda humanitária aos agressores».
O diário de Berlim, «Junge Welt», salienta a este propósito que «garantir aos Estados Unidos “ajuda humanitária” numa guerra contrária a todas as normas do direito internacional significa transformar o “humanismo” precisamente no seu contrário, na mais pura barbárie. Não serão os civis iraquianos, as mulheres e as crianças inocentes que serão tratadas com todos os cuidados nos hospitais e nos sanatórios alemães, mas os actores de uma guerra de extermínio se forem feridos no decorrer da sua orgia sanguinária. Seria natural imaginar-se que a mais poderosa potência militar de todos os tempos deveria ter capacidade suficiente para proteger a saúde dos seus guerreiros sem recorrer ao sistema de segurança social alemão. Mas perante a resistência do povo, como iria o governo de Berlim assegurar o seu contributo para mais um “massacre humanitário”?»