Mensagem de Luther King não está esquecida
Centenas de milhar de pessoas saíram à rua nos EUA, no passado sábado, em protesto contra a política militarista de Bush e em defesa da paz.
Em 1967, o reverendo Martin Luther King Jr. manifestou a sua oposição à intervenção dos EUA no sudeste asiático. No discurso «Para além de Vietnam» (Beyond Vietnam, na Igreja de Riverside em Nova Yorque, a 4 de Abril de 1967), King traçou as conexões íntimas entre os males do racismo, extremo materialismo e militarismo, explicou porque o movimentos pelos direitos cívicos das minorias não pode deixar de se opor à exploração económica e à guerra, e exigiu uma revolução de valores.
«Uma nação que continua anos após ano a gastar mais dinheiro em defesa militar do que em programas de desenvolvimento social aproxima-se da morte espiritual. A América, a nação mais rica e poderosa do mundo, pode liderar esta revolução de valores». King encontrou motivos para declarar então os EUA a maior força destabilizadora e produtora de violência pelo mundo.
Passados mais de 35 anos, os EUA estão longe de responder ao programa de King. O actual presidente Bush desperdiça uma oportunidade histórica de coordenar a reacção mundial contra a violência do terrorismo, preferindo aproveitar o momento para prosseguir um programa expancionista fazendo uso da força militar e económica que possui. A contagem decrescente para uma guerra contra o Iraque é palpável. Milhares de soldados encontram-se já no Médio Oriente e alguns analistas clamam que independentemente do desenvolvimento diplomático através da ONU, será difícil travar a máquina de guerra.
Coligação nacional
Entretanto, o movimento anti-guerra alarga-se e intensifica-se. Mais de vinte municípios aprovaram resoluções contra uma guerra. Sindicalistas representando mais de 2 milhões de membros fundaram a 11 de Janeiro uma coligação nacional laboral contra a guerra (US Labor Against the War (USLAW)). Todos as semanas, iniciativas populares de protesto ocorrem por todo o país, tendo o mais recente dia de protesto culminado nas grandiosas manifestações de 18 de Janeiro.
No fim-de-semana comemorativo do Rev. King, milhares de pessoas saíram à rua para demonstrar que as suas palavras não foram esquecidas. Em Washington DC, São Francisco e noutras localidades, centenas de milhar de pessoas protestaram contra a política militarista de Bush, reclamaram o fim da escalada militar, o fim de «sangue por petróleo» e exigiram que os esforços na esfera internacional sejam pela promoção de paz e boa relações entre os povos.
As estimativas quanto à participação variam entre algumas dezenas de milhar e o número mais generoso de meio milhão de participantes. Estive presente em Washington DC nas manifestações pela paz a 26 de Outubro e 18 de Janeiro. Em ambas as ocasiões, a topografia da marcha e da concentração não ofereceu perspectiva do todo aos participantes. Mas estimo com confiança a presença de mais de 200 000 pessoas durante o desfile no passado sábado.
Argumentos de Bush
não convencem
Contrariando o quase total uniformismo nos meios de comunicação social e entre políticos na capital norte-americana, a rua demonstrou claramente não existir um consenso patriótico submisso em torno do presidente. Os que se manifestam nos EUA contra um ataque ao Iraque provêm de variados sectores e «representam um vasto segmento da população que não está convencido de que a ameaça iraquiana exige o uso de força militar» (Editorial do New York Times, 20 de Janeiro de 2003). É de sublinhar a sua diversidade etária, económica, social, religiosa e mesmo afiliação política.
As sondagens mais recente indicam um decréscimo no apoio à guerra e mesmo este é condicional. A percentagem de pessoas nos EUA que consideram Saddam Hussein uma ameaça desceu de 65 para 56% na mais recente sondagem Gallup. Mas a maioria destes inquiridos apenas favorece a intervenção militar se forem encontradas armas de destruição massiva. Uma maioria declara-se não estar convencida pelos argumentos de Bush e preferir que a administração dê tempo a alternativas. Em simultâneo, a popularidade do presidente atinge o ponto mais baixo desde o pico histórico após o 11 de Setembro. Porém, apesar de uma política externa crescentemente controversa e de dificuldades económicas, Bush segue largamente popular e permanece um forte candidato para as eleições presidenciais de 2004. Estes resultados de sondagens encontram-se resumidos num artigo de Stewart Powell no San Antonio Express-News de 20 de Janeiro.
Protesto mundial
a 15 de Fevereiro
As próximas semanas prometem ser quentes. A 27 de Janeiro, Hans Blix, o chefe da força de inspecções de armas químicas e biológicas das Nações Unidas do Iraque (UNMOVIC), apresentará o seu relatório ao Conselho de Segurança das Nações Unidas. No dia 28 de Janeiro, Bush fará o seu discurso do Estado da Nação e poderá aproveitar a ocasião para argumentar que o Iraque não tem cooperado inteiramente com o processo de inspecções e que consequentemente se encontra em incumprimento material da resolução 1441 do Conselho de Segurança da ONU. Dias depois, Bush reúne-se com o primeiro ministro britânico, Tony Blair, em Camp David, onde discutirão certamente a estratégia face ao Iraque. Responsáveis da Administração Bush colocam o «momento da verdade» para o princípio ou meados de Fevereiro. O movimento pela paz marcou um dia mundial de protesto para o dia 15 de Fevereiro, com manifestações agendadas para Nova Iorque, Paris, Londres etc.
Manifestações em todo o mundo
18 de Janeiro foi dia de manifestações contra a cada vez mais provável agressão dos EUA contra o Iraque. Em várias partes do mundo, muitos milhares de pessoas saíram à rua em defesa da paz.
Numa altura em que Washington já concentrou um elevadíssimo número de tropas e equipamento no Golfo Pérsico, se multiplicam as inspecções da ONU no território iraquiano e se aproxima a data (27 de Janeiro) para a apresentação do relatório dos inspectores ao Conselho de Segurança da ONU, elevam-se na Europa, Ásia e Médio Oriente - tal como nos próprios Estados Unidos - as palavras de ordem pela paz e as vozes que denunciam os verdadeiros objectivos de Washington nesta sanha contra o Iraque.
Na Europa, realizaram-se manifestações nas cidades alemãs de Hamburgo, Colónia e Heidelberg (o quartel-general europeu do Exército norte-americano está situado nesta última cidade), bem como em Bruxelas (Bélgica); Paris (França); Gotemburgo (Suécia); Moscovo (Rússia); e Londres, Birmingham, Manchester e Nottingham (Grã-Bretanha).
Na capital britânica, os manifestantes concentraram-se em frente ao Quartel Permanente Conjunto das Forças Armadas Britânicas protestando contra a política de submissão do primeiro-ministro, Tony Blair, às iniciativas de Washington.
Diferentes formas
de dizer o mesmo
Em Damasco (Síria), dezenas de milhares interromperam o trânsito durante horas, protestando contra o que consideram um plano preestabelecido dos Estados Unidos para atacar a nação árabe.
Em Christchurch (Nova Zelândia), 400 pessoas participaram num comício pela paz organizado pelo Partido Verde.
Em Tóquio (Japão), cerca de quatro mil pessoas assistiram a um concerto e participaram de uma marcha contra a guerra pelas ruas da capital japonesa.
Em Rawalpindi, no Paquistão, crianças de mãos dadas formaram um cordão humano, num protesto convocado por 27 organizações não-governamentais.
Milhares de pessoas desfilaram também em Beirute (Líbano), numa manifestação que contou com a presença do político britânico George Galloway. Segundo Galloway, é preciso encontrar «uma solução pacífica», caso contrário «iremos todos para despenhadeiro no Oriente Médio e ninguém será poupado dos ferimentos da queda».
Em Manama, (Barein), mais de 1500 pessoas gritaram «Não à guerra!», exigindo que o governo expulse as forças norte-americanas do país (a Quinta Frota dos EUA, que dispõe de 1000 militares prontos para participar no ataque ao Iraque).
No Cairo (Egipto), cerca de mil manifestantes saíram à rua exigindo ao governo que não autorize a utilização do Canal de Suez pelos navios britânicos e norte-americanos num possível ataque contra o Iraque.