Para uma demanda da(s) ciência(s) dos impactos tecnológicos
Quê? Não me digas! Agora também lhe deu para inventar uma nova ciência (ou uma nova disciplina científica)? Ou, vá lá, ele concede, algumas diferentes novas disciplinas científicas consoante o tipo de impactos - porque eles são de muito diversa natureza; por exemplo, os grupos de impactos referentes às áreas da biotecnologia molecular, os referentes à área ambiental e os referentes à área da comunicação. Bom. De qualquer forma. Já cá faltava era também esta! Porque, verdade, verdadinha, o certo é o conhecimento científico dirigir-se à Natureza, à sua interpretação, à determinação das suas leis. E aqui já estamos é na área do artificial!
Ou, quando muito, já que queres falar na Tecnologia - e trata-se de uma matéria relevante, aceito de bom grado -, a relação entre a Ciência e a Tecnologia - a tão na moda, a tão falada C&T (1) (falada nos círculos mais atentos, bem entendido; neste mundo, uma minoria apenas) -, esta relação tem sobretudo a ver com a aplicação do conhecimento científico para fins de desenvolvimento tecnológico, como é o caso dos remédios ou, também, o das bombas nucleares. E, claro, no sentido inverso, tem-se o estímulo que as actividades de I&D (2) aportam ao levantamento de questões novas que levam ao desenvolvimento do conhecimento científico.
(Aqui ocorreu-me, mais uma vez, que a Tecnologia não é nem um derivado da Ciência - e quantas vezes não se toma ambas como quase sinónimos, para efeitos de objectivação quer do Bem quer do Mal, vou eu ruminando - nem, para que conste, é uma causa única ou mesmo determinante da criação e desenvolvimento do conhecimento científico. Contudo, a Tecnologia, criada pelo género humano e, também, dizem-nos os relatórios científicos, em certa medida, também será tacteada por algumas outras espécies, a Tecnologia, dizíamos, é fundamental, pois, sem ela, o nosso género nunca teria conseguido existir. Adiante. Voltemos ao nosso trilho.)
Por isso, continuava o meu «científico» interlocutor, se considerarmos os diversos ramos do saber, quero dizer o conjunto das disciplinas científicas (e eu a pensar no que tem de abusivo - mais ainda, de absurdo - pensar que o conjunto do saber se identifica com a Ciência), isto é, um conjunto que pode ser dividido em regiões - a região das ciências da Natureza, com a Física, «a rainha das ciências», a Química, a Biologia, etc, a região lógico-dedutiva, com as Matemáticas e a Lógica, e a região humana e social, com a Psicologia, a Sociologia, etc, - vê-se como nos seus objectos podem ser incluídos os impactos das suas aplicações!
Farto, eu, não com a parte rigorosa das afirmações do meu interlocutor, com as quais também estou acordo - ou não fosse eu um lídimo filho e um lídimo instruído das ciências «exactas» e da Engenharia -, mas farto, sim, das suas flores como a da «rainha da ciências», soltei, para ele (o nosso interlocutor, já a leitora e o leitor terão adivinhado, é, como eu, um «cientista»(?) masculino de meia avançada idade!), uma interjeição irreproduzível, uivada (tenho um cão em casa) com todas as minhas já desesperadas forças. Ele, politicamente correcto, Não sou machista, até disse rainha e não rei; além disso, incluí as «femininas» ciências humanas e sociais.
Também por isso mesmo, e ainda, - por ele ter começado a desconversar através de uma desconchavada pseudo-afirmação feminista - coloco em cima da Mesa do conhecimento científico - e não sei bem se esta Mesa é suficientemente Redonda -, assim insistindo, e com a veemência possível, a questão da investigação das condições de possibilidade de existência de uma «ciência dos impactos tecnológicos», ou, na impossibilidade epistemológica de ela ser só uma, de uma limitada área de «ciências dos impactos tecnológicos». E também porque todo o debate que a Sociedade desenvolve em torno deste tema parece estar mesmo a pedi-la(s).
Com efeito, nos últimos tempos, a meu ver tem-se implicitamente debatido muito este tema. Este tem, contudo, passado mais por ideias ao nível de um conhecimento corrente, ou mais dirigidas num sentido filosófico e também, muito, para a importante área dos valores, da Ética. Tem estado em jogo questões como a essencialidade da tecnologia para a condição humana, o facto de cada novidade tecnológica poder envolver perdas e ganhos (e não me estou a referir aos valores que andam ligados), os riscos e o princípio da cautela, os equilíbrios ecológicos, a permanência e a evolução das espécies, ligadas à sua variabilidade, etc…
Tudo, e muito mais, a demandar uma reflexão científica sobre a natureza dos impactos tecnológicos.
(1) C&T – Ciência e Tecnologia
(2) I&D – Investigação e Desenvolvimento