Precisa‑se de Misericórdia nas Santas Casas...

Lurdes Branco

A Santa Casa da Misericórdia foi criada tendo em vista cumprir com obras de misericórdia (espirituais e materiais), ajudando desta forma os mais carenciados, contudo, tem se assistido nos últimos tempos a uma constante falta de misericórdia das direcções deste tipo de instituição para com os seus funcionários.

Recentemente, a Santa Casa da Misericórdia da Ribeira Grande (SCMRG), na ilha de S. Miguel (Açores), suspendeu duas funcionárias por estas se recusarem a assinar um documento comprovativo do seu acordo em descerem de categoria profissional e de vencimento. A instituição alega, como motivo para a suspensão, que as funcionárias «terão violado um compromisso assumido».

O caso remonta ao dia 17 de Dezembro, altura em que a instituição organizou urna reunião com os funcionários do projecto de luta contra a pobreza «Sementes de Mudança» e na qual informou que, dado o fim do projecto a 31 de Dezembro de 2002, seria necessário «proceder a alguns reajustes»   o que passaria pela descida de categoria profissional dos animadores culturais para assistentes de educação de 3ª, implicando um decréscimo salarial na ordem dos 150 euros. Neste caso, a hipótese era «aceita ou não?»...

De salientar que esta notícia foi dada aos funcionários na noite antes do jantar de Natal da instituição. Bizarro, não?

Dos 12 animadores nesta situação, todos eles pertencentes aos quadros da instituição por renovações sucessivas de contratos, apenas dois decidiram não assinar o documento apresentado pela SCMRG, no qual se declarava o acordo com a situação.

Ora, como é do conhecimento geral, mesmo em caso de acordo entre a entidade patronal e o trabalhador, é ilegal a descida de categoria profissional e de vencimento, ou seja, o que a instituição tentou, para além de cometer uma ilegalidade, foi coagir os trabalhadores a concordarem com essa ilegalidade. Mais, as duas funcionárias que se recusaram a aceitar a legalidade foram suspensas.

Este é um pequeno exemplo do que tem sido tentado a nível nacional pois, na edição especial do jornal do Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública que antecedeu a Greve Geral do dia 10 de Dezembro, lia se que Maria José Nogueira Pinto, Provedora da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, se tem demonstrado dialogante mas apresenta reestruturações nos serviços que prejudicam os trabalhadores, tendo se já verificado casos isolados de trabalhadores que foram abordados pela Provedora nos seguintes termos: «o seu serviço vai ser reestruturado, se não aceitar o que lhe propomos vá para supranumerário ou para outro sítio qualquer». Resta lembrar a essa senhora que as Misericórdias pertencem ao sector privado, não se aplicando assim os supranumerários aos trabalhadores destas instituições.

Secretário regional

prepotente e arrogante


Os trabalhadores das IPSS e Misericórdias dos Açores têm vindo a desenvolver uma justa luta pela equiparação salarial à função pública, situação que existia até 1986 e que aplica o preceito constitucional de «trabalho igual, salário igual».

Por outro lado, as carreiras de professores e de educadores de infância nas IPSS e Misericórdias já se encontram equiparadas, existindo neste momento uma situação de grande injustiça.

O governo regional dos Açores sofreu recentemente uma «reestruturação», com Francisco Coelho a assumir a pasta dos Assuntos Sociais, e declarando logo a sua indisponibilidade para dialogar com os sindicatos representativos dos trabalhadores, numa atitude de prepotência e arrogância.

Por outro lado, passados alguns dias, o presidente do governo regional anunciou que os aumentos salariais dos trabalhadores do sector serão superiores aos da função pública. Grande novidade! Parece que o Governo, para além da arrogância, sofre de uma esquizofrenia degenerativa pois, em 2002, os trabalhadores das IPSS e Misericórdias na região já auferiram de aumentos salariais superiores (4,75 %). Além disso, a luta pela equiparação à função pública que tem sido levada a cabo na região prevê não só a equiparação em termos salariais mas também em termos de horários de trabalho, de períodos de férias e a implementação no sector do complemento salarial ou subsídio de insularidade   este último conseguido para o sector da função pública através de uma proposta apresentada pelo Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português na Assembleia Legislativa Regional.

Por outro lado, como se não bastasse o acima referido, convém lembrar que o governo regional do PS tem tido atitudes no mínimo reprováveis ao interromper as negociações com os sindicatos representativos do sector (STFP, SINTAP e SINDESCOM), iniciando logo de seguida negociações com este ou aquele representante do SINTAP ou do SINDESCOM e deixando de parte o Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública, que tem sido o único a manter a sua posição de coerência na defesa dos legítimos interesses dos trabalhadores.

A visão economicista da solidariedade social, própria do capitalismo, tem falado mais alto do que a necessidade de implementar medidas de combate efectivo à pobreza. E tudo isto porque convém ao capitalismo alimentar a pobreza, a dependência e a ignorância das pessoas de forma a manipulá las mais facilmente.

As IPSS e Misericórdias, normalmente dominadas pela Igreja, têm sido um dos meios de fomento do miserabilismo e um campo experimental por excelência das medidas que o Governo do PSD CDS/PP pretende implementar com o Pacote Laboral e que atentam contra direitos fundamentais dos trabalhadores.



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