Os Servos da Nova Ordem
As medidas avulsas e apressadas anunciadas pelo actual governo poderão parecer, no plano social, inconsequentes e insensatas. Com efeito, assim será, nalguns casos. Mas generalizações precipitadas conduzem, quase sempre, a grandes e novas decepções.
Não devemos ignorar que o capitalismo em Portugal, no seu estádio superior, dispõe de sólidas bases de apoio, de um projecto e de uma planificação. Tem capacidades e meios que o corporativismo salazarista não pôde e não soube desenvolver. E se abordamos este assunto no espaço religioso do nosso jornal é porque a Igreja e boa parte das elites católicas assumem nesse projecto funções insubstituíveis. Não são já apenas os membros do Alto Clero que se ocupam da identidade igreja/grande capital. Movimentam-se leigos comprometidos, franciscanos pobres, fiéis do Opus Dei, sindicalistas sem noção de classe, missionários da acção caritativa, dirigentes partidários ou responsáveis autárquicos que surgem a cada passo no tablado político como servos convictos de uma Nova Ordem. Dispõem de fortíssimas estruturas de cúpula de nível mundial, o que nada tem de extraordinário se considerarmos o passado milenar das forças conjugadas do poder do estado e da igreja. Anima-os uma mística em que a fé e a religião são valores do passado rapidamente substituídos por referências de transição, como o sucesso e o dinheiro.
Os passos essenciais deste projecto planetário começam a entender-se em Portugal. Tal qual como vem nos livros dos teóricos neoliberais...
A fase do socialismo católico parece ter-se esgotado com Guterres. Quando ele abandonou o governo, estava cumprido o seu papel histórico: fez recuar conquistas democráticas, abriu caminho às privatizações decisivas e minou os alicerces da economia do Estado.
Guterres abandonou o Governo quando este já naufragava e entregou o poder ao liberalismo católico, sedento de fazer prova de autoridade e de reduzir a nada o enquadramento democrático institucional.
A direita avança
Como lhe competia, a coligação de direita não esteve com meias medidas. Escudada por uma titubeante Presidência da República, avançou brutalmente, destruiu ruínas e vestígios democráticos, contestou ou ignorou partidos políticos, autarquias e sindicatos. Tudo isto se passa num país onde as leis se violam impunemente, a caminho da ruína social, por entre um discurso oficial cor de rosa salpicado pelos tons do branco e do amarelo da bandeira do Vaticano.
O tempo passa, os cidadãos distraem-se e a Nova Ordem avança. O processo progride de forma metódica. Preste-se, por exemplo, atenção aos factos da vida nacional e ao que, há já dez anos, revelava Michael Novak, auditor do Papa, sobre a transição da Velha para a Nova Ordem. Cinco passos hão-de ser respeitados. O primeiro consistirá no reconhecimento, por parte do Estado, da força e vitalidade da Sociedade Civil. O segundo passo terá por meta atribuir à sociedade civil um vastíssimo campo de acção distribuído por três sistemas de liberdade: o político, o económico e o moral e cultural. Num terceiro momento, distinguir-se-á o sentido de ordem espontânea. A quarta fase implantará na opinião pública o significado político de bem comum. Finalmente, num quinto passo, toda esta Nova Ordem ficará contida num essencial princípio de mudança: tudo se faz na ordem e na disciplina mas tudo é transitório.
A Nova Ordem católico-liberal deixará no árido deserto das velhas democracias as ruínas estéreis dos partidos políticos, dos sindicatos, dos sistemas participativos e das moribundas ideologias laicas. A luta de classes será pura e simplesmente ignorada. Diz Novak: «A justiça social requer o apoio institucional ... sem a protecção dos direitos civis e políticos, sem as instituições da propriedade privada, dos mercados, dos incentivos e dos apoios sociais necessários ao exercício da iniciativa, da capacidade de empreendimento e das descobertas pessoais; e sem as instituições de liberdade religiosa, intelectual e cultural, sem tudo isto - o exercício da justiça social ficará gravemente limitado». Recorde-se que nos EUA, o selo federal ostenta a legenda «novus ordo seculorum» (A Nova Ordem dos Séculos).
Nesse sentido caminhamos.