Lutas de operárias no Esteiro do Seixal
A terra alagadiça do Esteiro do Seixal, onde no lodaçal negro dormitam barcos com o cavername desventrado, dá-nos uma sensação imprecisa entre o belo e o trágico, com o colorido casario crescendo em torno dos esqueletos de navegações esquecidas, no silêncio de caldeiras fabris há muito emudecidas.
Para uns é o fim dum ciclo, para outros é o ponto de partida para novos rumos. Ontem como hoje, a actividade humana em torno do Esteiro nunca foi igual.
Desde o século XIX, sucederam-se gerações operárias em diversos ramos e actividades: carpinteiros de machado e calafates no Seixal; tecelões na Torre da Marinha; vidreiros na Amora; pescadores e pessoal de tráfego fluvial das fragatas e batelões; descarregadores de mar e terra; corticeiros da Mundet e da Wicander; metalúrgicos na Siderurgia de Paio Pires, trabalhadores de electrónica em Corroios.
Mas, a memória que sobrevive das lutas operárias do passado é invariavelmente recuperada no masculino, apesar das mulheres trabalhadoras terem ocupado, desde a primeira hora, destacado e activo papel nas lutas reivindicativas.
Em 1885, o empresário Júlio Caldas de Aulete fundou uma grande fábrica de lanifícios na Torre da Marinha – a Companhia de Lanifícios de Arrentela, a qual, passados seis anos, empregava 420 operários têxteis. E seria aí que, em Outubro de 1894, despontam os primeiros sinais de contestação e luta reivindicativa, quando 28 operárias têxteis da oficina de acabamentos da Companhia de Lanifícios iniciam uma greve, por melhores salários.
Em Dezembro de 1950, as operárias da chamada Fábrica de Ostras do Seixal declaram-se em greve, reclamando aumento de salário. Ganhavam 4$00 por 1000 ostras descascadas, não conseguindo apurar mais do que 12$00 a 16$00 por dia. Com as suas mãos mil vezes retalhadas pelas lâminas das valvas dos moluscos, regavam com sangue o lucrativo produto das concessões ostreícolas destinado ao mercado externo, e aos cardápios da restauração de luxo.
Na década de 50, as operárias corticeiras da Mundet e Wicander assumem um destacado protagonismo nas lutas reivindicativas da classe. Em 1951, protestam contra os castigos aplicados às colegas que se recusam a fazer serão. Em 1952, reclamam aumentos salariais. Em 1954, depois de renhida luta, são readmitidas na Mundet 35 operárias corticeiras. E, em Setembro de 1958, integram a comissão de unidade que conquista o apoio do sindicato no protesto contra os despedimentos.
Em 24 de Outubro de 1973, as trabalhadoras da Plessay Automática de Cabo Ruivo, Prior Velho e Corroios - Seixal iniciam uma greve de 3 dias, exigindo aumento de salário, o cumprimento do contrato colectivo de trabalho, a redução do horário de trabalho e uma creche.
As operárias da Arrentela, da Amora, do Seixal e de Corroios há um século que se erguem e lutam contra uma exploração iníqua, defendendo conquistas e reivindicando direitos, sonhando com jornas que as libertem do torniquete dos fiados, e é todo esse percurso encapelado de revoltas e protestos que escapa a quem hoje contempla a enganadora quietude do Esteiro do Seixal.