Empresas e Universidade
A minha insistência sobre o papel a desempenhar pelas empresas na área da I&D (Investigação & Desenvolvimento), em paralelo com a outra insistência sobre o papel específico das universidades na área da Educação e da Ciência, poderá levar a pensar que defendo a existência de umas e outras como duas realidades que deveriam ser quase estanques, pelo menos umas em relação às outras. Ou que, ao considerar inaceitável a transformação pura e simples das universidades em empresas, estou a recusar a necessidade da gestão das universidades se dever pautar pelo rigor no emprego dos recursos e pela atenção à realidade social onde está inserida.
Bem pelo contrário. A ligação Universidade(s)-Empresas ou Empresas-Universidade(s) - como se costuma nomear este tema e a poder ser assumido pela ordem de designação institucional de acordo com o que o leitor preferir que soe - é uma necessidade para o nosso tempo, e ainda mais para o futuro. Uma ligação que permita a importação nos dois sentidos de experiências organizacionais e de funcionamento que tenham provado num dos dois lados. Mas a dever ser concretizada sem atentar contra o ser fundamental de qualquer um destes dois tipos de instituição desenvolvidas e provadas ao longo dos tempos pela Sociedade.
Aliás, bastará atentar, por pouco que seja, nos dois termos - Empresa e Universidade - para se intuir os significados diferentes que resultam para os dois tipos de instituição, desde logo do ponto de vista de posicionamento estratégico. Por exemplo, enquanto as actividades das universidades, de Ensino e Formação ou de investigação para avanço do Conhecimento, podem servir ao universo das empresas existentes, independentemente de estas serem ou não concorrentes entre si, as actividades das empresas devem contribuir, principalmente, para a consolidação e progressão das trajectórias do saber-fazer do seu próprio colectivo laboral.
Reformular o pensamento
Continuemos a nossa caminhada. E num sentido mais de promoção de uma ligação do que o de fechar de um hiato. Então, para que possa existir a tal desejada ligação Universidade(s)-Empresas, para além do facto de terem de existir umas e outras destas instituições, também se nota que a área privilegiada que é a I&D, ou o seu equivalente, deve existir de ambos os lados. E este existir de unidades de I&D deve incluir do lado das empresas também os necessários investigadores e não apenas bolsas de recursos financeiros para distribuir a quem, na melhor das hipóteses, desenvolva projectos de I&D do lado universitário.
Isto é, para que tal ligação se possa realizar em condições de eficácia, os interlocutores do lado empresarial têm que, também eles, ser conhecedores e executores experimentados da(s) área(s) científica e tecnológica correspondente(s). Mas ainda mais. A ligação deve basear-se sobre uma sólida e duradoura teia de relações directas de comunicação entre os pares - investigadores - dos dois lados, pois são eles que «falam a mesma linguagem e partilham os conhecimentos básicos das mesmas disciplinas», para usar, por exemplo, o modo como recentemente João Caraça se referiu a esta questão num artigo seu publicado no «JL»1.
Tal facto, o desenvolvimento de redes científicas [e tecnológicas], enquanto tecido sem o qual serão baldados quaisquer esforços de constituição de uma saudável e eficaz ligação Universidade(s)-Empresas, não impede, antes pelo contrário facilita e promove, a existência de projectos conjuntos - ou seja, com a comparticipação «real» de ambos os lados - que sirvam as necessidades de inovação das empresas. E, do seu lado, os participantes do lado universitário, ao contribuírem para a resolução de problemas de inovação colocados pela actividade empresarial, podem enriquecer as suas possibilidades de contribuir para avanços da Ciência.
Além disso, a actividade de inovação empresarial cada vez menos pode prescindir do concurso simultâneo de diferentes ciências, nomeadamente das disciplinas da área das ciências sociais e humanas. Isto é verdade, em particular no respeitante à inovação de produtos, quer se trate de bens ou serviços. E estes últimos envolvendo também, com frequência, a necessidade de inovação em termos de bens que participam da realização desses mesmos serviços, como por exemplo, o ensino à distância requer aplicações multimédia - aqui, a problemática dos interfaces com o utente a dever estar no centro da colaboração Universidade(s)-Empresas.
E é por estas e por outras que é urgente reformular radicalmente o pensamento acerca da ligação Universidade(s)-Empresas no nosso País.
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«As doze passas e a inovação» em «JL», nº841, de 24 de Dezembro de 2002 a 7 de Janeiro de 2003.