Pensões e outros direitos sob ataque
A poucos dias do fim da legislatura, no Parlamento Europeu, este é o tempo de despachar, a todo o vapor, a aprovação das mais diversas directivas e regulamentos.
O turbilhão legislativo tende a furtar ao adequado escrutínio público algumas das peças que o compõem. Não por serem pouco importantes. Vejamos dois exemplos recentes.
PS, PSD e CDS contribuíram, com os seus votos, para aprovar legislação que institui um mercado pan-europeu de fundos de pensões. Uma velha pretensão dos colossos financeiros que se dedicam a jogar na roleta da especulação bolsista as pensões e reformas dos trabalhadores. É o caso da norte-americana BlackRock, que terá assessorado a Comissão Europeia na concepção das propostas legislativas agora aprovadas. Estamos perante um passo importante no sentido da privatização dos sistemas públicos de segurança social.
Nada acontece por acaso. Esta proposta nasce pela mão dos mesmos que, em Portugal, queriam forçar um corte permanente de 600 milhões de euros nas pensões a pagamento. Era esta a «recomendação» da Comissão Europeia que constava do caderno de encargos do governo PSD-CDS, derrotado a tempo. Nenhum deles desistiu dos seus objectivos. Sem surpresa, o PS convergiu com PSD e CDS no apoio à proposta. Isto poucos dias depois de membros do seu governo terem amplificado publicamente costumeiros alertas sobre a «sustentabilidade da segurança social», que volta e meia regressam às televisões e às páginas dos jornais.
O sector financeiro teve um papel conhecido na irrupção da crise capitalista de 2008. Nos principais centros do capitalismo, foram muitos os trabalhadores que viram esvair-se as poupanças de uma vida, canalizadas que foram para complexos produtos financeiros, associados aos fundos de pensões privados, que de um momento para o outro se desfizeram no ar como frágeis castelos de cartas, levando consigo as perspectivas de uma velhice tranquila.
Na mesma sessão plenária, na semana passada, foi também aprovada – com os votos favoráveis de PS, PSD e CDS – a Directiva sobre «conciliação entre a vida profissional e a vida familiar dos progenitores e cuidadores». O seu conteúdo e previsíveis consequências estão longe, muito longe, da aparente bondade dos objectivos enunciados no título.
Face aos direitos consagrados na legislação portuguesa, esta directiva constitui um claro recuo. Define uma licença de paternidade não obrigatória e uma licença parental de duração minimalista, sem remuneração obrigatória assegurada. A referência para a definição do montante da remuneração é o subsídio de doença, em vez do salário efectivo, o que determina uma significativa redução dos rendimentos da família, desincentivando o gozo da licença e criando uma pressão para que a mesma seja usufruída pelo elemento do casal com menor salário, quase sempre as mulheres. A directiva contraria, assim, a tendência, que se vem registando em Portugal, para uma crescente partilha de responsabilidades entre os dois progenitores no gozo da licença parental.
Pior. O acesso às licenças e às correspondentes remunerações está sujeito a condicionalismos diversos, desde as necessidades do patronato a factores de senioridade e tempo de trabalho anteriores ao pedido de licença. Resultado: trabalhadores precários, com contratos de trabalho temporários, poderão ser excluídos do acesso à licença.
Se é certo que esta directiva, por si só, não impõe a alteração para pior da legislação portuguesa, não é menos certo que poderá não apenas facilitar ataques a direitos consagrados, como limitar futuros avanços...