O estado da arte

Manuel Augusto Araújo

Nos trân­sitos das ac­ti­vi­dades pro­mo­ci­o­nais a arte é sempre, e só, mer­ca­doria

Al­guns dos ar­tistas plás­ticos subs­cri­tores da carta en­tregue ao pri­meiro-mi­nistro em Ou­tubro do ano pas­sado, co­lo­cando per­ti­nentes ques­tões sobre o es­tado das artes vi­suais em Por­tugal, con­vo­caram uma reu­nião. Em subs­tância, pro­põem-se dis­cutir o mo­delo de uma Co­missão de Aqui­si­ções de Arte Con­tem­po­rânea que faça a gestão do pro­grama anual de aqui­sição de obras de arte con­tem­po­rânea anun­ciado por An­tónio Costa, ins­crito no Or­ça­mento de Es­tado com valor ini­cial de 300 mil euros.

Per­cebe-se que esse ob­jec­tivo, com efeitos a curto prazo, seja uma das pre­o­cu­pa­ções dos ar­tistas plás­ticos, mesmo que uma parte, não des­pi­ci­enda, dos subs­cri­tores da carta não es­teja ex­cluída das listas de com­pras pú­blicas e pri­vadas dos úl­timos anos.

A aqui­sição de obras de arte é im­por­tante mas não é a questão fun­da­mental das artes vi­suais em Por­tugal. Será sempre ob­jecto de con­tro­vér­sias, mai­ores ou me­nores, porque é ine­vi­tável que essa co­missão, por mais es­cla­re­cida que seja, vá nas suas de­ci­sões co­meter in­jus­tiças por mais que faça jus­tiça. Deve-se ainda ques­ti­onar se a aqui­sição de obras de arte pelo Es­tado, se a gestão de uma co­lecção de arte pú­blica, deva ser feita fora dos mu­seus de arte con­tem­po­rânea.

O que não se per­cebe nem se com­pre­ende é que muitas das ques­tões le­van­tadas na re­fe­rida carta pa­reçam ter sido co­lo­cadas em planos mais re­cu­ados, como se não fossem cen­trais na de­fi­nição das po­lí­ticas cul­tu­rais. São ques­tões que afectam todos os ar­tistas plás­ticos, in­de­pen­den­te­mente do seu es­ta­tuto, co­tação, acei­tação crí­tica e ou­tros pa­râ­me­tros do mer­cado das artes que, no es­tado ac­tual, é quem de facto de­fine a si­tu­ação dos ar­tistas numa so­ci­e­dade que faz os de­ten­tores de ac­ti­vi­dades sim­bó­licas descer ao nível da re­a­li­dade, da de­pen­dência di­recta dos im­pe­ra­tivos eco­nó­micos por já não sentir a ne­ces­si­dade de manter a sua re­la­tiva au­to­nomia.

Pre­o­cu­pa­ções justas,
so­lu­ções li­mi­tadas

Um mo­delo de apoio às artes vi­suais de acei­tável ra­zo­a­bi­li­dade não pa­rece pos­sível sem co­locar em causa as su­ces­sivas e ca­tas­tró­ficas fu­sões a que têm sido su­jeitas as es­tru­turas do Mi­nis­tério da Cul­tura, o que fez uma razia em todas as áreas e fez en­trar em coma pro­fundo as artes plás­ticas, com a fusão do Ins­ti­tuto Por­tu­guês das Artes do Es­pec­tá­culo com o Ins­ti­tuto de Arte Con­tem­po­rânea numa Di­recção-Geral das Artes em es­tado de con­fusão per­ma­nente. Re­es­tru­turar o Mi­nis­tério da Cul­tura é tão im­por­tante como lhe dar mai­ores meios fi­nan­ceiros, para lhe con­ferir ope­ra­ci­o­na­li­dade na de­fi­nição de po­lí­ticas cul­tu­rais, uma ine­xis­tência ac­tual. Em re­lação ao Es­tado, essa é a questão cen­tral.

A frag­men­tação dos ar­tistas plás­ticos, sem ne­nhuma es­tru­tura re­pre­sen­ta­tiva, bem vi­sível quando a con­tes­tação aos con­cursos da DGArtes con­gregou vá­rias ma­ni­fes­ta­ções de ar­tistas de ou­tras áreas em que a au­sência dos ar­tistas plás­ticos foi uma evi­dência, não é ilu­dida por esta carta. São justas as suas pre­o­cu­pa­ções, mas mais pre­o­cu­pante é – de­pois da co­ber­tura me­diá­tica do en­contro com An­tónio Costa – que o si­lêncio só tenha sido rom­pido com a con­vo­cação de uma reu­nião em que o ponto apa­ren­te­mente único é o da forma de con­cre­tizar as pro­me­tidas aqui­si­ções pelo Es­tado, sa­bendo-se que ac­tu­al­mente o valor venal do ob­jecto ar­tís­tico re­sulta dos trân­sitos das ac­ti­vi­dades pro­mo­ci­o­nais em que a arte é sempre, e só, mer­ca­doria.

Não deve haver ilu­sões sobre o que re­pre­senta a arte, as artes, para esta so­ci­e­dade. Como não deve haver ilu­sões sobre os im­passes, mesmo que di­fi­cil­mente ul­tra­pas­sá­veis ou mesmo inul­tra­pas­sá­veis, que o seu mo­delo impõe. A questão cen­tral é como devem ser en­fren­tados para co­locar em igual­dade todos os ar­tistas no plano dos di­reitos so­ciais, em par­ti­cular o en­qua­dra­mento fiscal e a se­gu­rança so­cial, e das con­di­ções de tra­balho, con­si­de­rando as as­si­me­trias re­gi­o­nais, para de­pois, com maior ou menor jus­tiça, pro­mover con­cursos para apoiar pro­jectos. Será sempre uma dis­cussão em aberto.




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