A nomeação <br>de Dillary Crump

António Santos

Nem mesmo a re­ve­lação de que o Co­mité Na­ci­onal do Par­tido De­mo­crata (PD) sa­botou a cam­panha de Bernie San­ders fez o se­nador do Ver­mont re­tirar o apoio po­lí­tico que, no dia 12, en­tre­gara a Hil­lary Clinton. Se já todos sa­bíamos que as pri­má­rias de­mo­crá­ticas foram tudo menos de­mo­crá­ticas, a fuga de mais de dez mil emails da Co­missão Na­ci­onal, pron­ta­mente atri­buída por Hil­lary à Rússia, veio re­velar os re­quintes anti-se­mitas e fun­da­men­ta­listas com que a di­recção da­quele par­tido pro­curou de­nun­ciar as raízes ju­daicas de San­ders ou, pior ainda, expor o seu ale­gado ateísmo. «Para a minha malta bap­tista no Sul há uma grande di­fe­rença entre um judeu e um ateu», pode ler-se num email di­vul­gado pela Wi­ki­leaks em que Brad Marshall, chefe das fi­nanças do PD, pon­dera a es­tra­tégia de ataque a San­ders na co­mu­ni­cação so­cial.

Debbie Schultz, pre­si­dente do Co­mité Na­ci­onal do PD e res­pon­sável po­lí­tica pela tra­paça, foi cé­lere no pe­dido de de­missão e de­sem­ba­ra­çada no álibi. Clinton, por seu turno, de­volveu o ob­sé­quio com a dis­tinção de chefe ho­no­rária da cam­panha. A Con­venção Na­ci­onal do PD, que ter­minou esta quinta-feira em Fi­la­délfia, na Pen­sil­vânia, lá co­roou Clinton, sem louros nem sur­presas, can­di­data de­mo­crata às pró­ximas elei­ções pre­si­den­ciais nos EUA. Mas nem a mons­truosa re­tó­rica de Do­nald Trump nem a pers­pe­tiva de vê-lo na pre­si­dência pa­recem bastar para unir os pro­gres­sistas em torno de Clinton.

Va­lendo o que pro­ver­bi­al­mente valem, as úl­timas son­da­gens re­a­li­zadas nos EUA à es­cala fe­deral con­vergem em dois fe­nó­menos: Trump à frente de Hil­lary (com os votos de San­ders) e a me­teó­rica emer­gência de ou­tros can­di­datos que ame­açam romper o dé­dalo bi­par­ti­dista. Se­gundo um es­tudo di­vul­gado, esta se­gunda-feira, pela CNN, Trump re­colhe 44 por cento das in­ten­ções de voto e Clinton 39, en­quanto o li­beral de di­reita Gary Johnson pode chegar aos nove por cento e, à es­querda, Jill Stein, do Par­tido Verde, po­derá ul­tra­passar os três por cento.

Mesmo que en­vi­e­sados, os es­tudos de opi­nião pa­recem tra­duzir um sen­ti­mento fa­cil­mente pal­pável na at­mos­fera po­lí­tica es­tado-uni­dense: Clinton en­costa-se à di­reita e fala ao centro; Trump en­costa-se ao centro e fala à di­reita. Esta di­nâ­mica co­nheceu, na se­mana pas­sada, mo­mentos ca­tár­ticos, com ambos os can­di­datos a anun­ci­arem as res­pec­tivas es­co­lhas para vice-pre­si­dente. Trump es­co­lheu Mike Pence, go­ver­nador do In­diana, uma es­colha pa­cí­fica no uni­verso con­ser­vador que aplaca os re­ceios dos re­pu­bli­canos mais mo­de­rados. Já Clinton, me­nos­pre­zando o apoio de San­ders e de me­tade do elei­to­rado de­mo­crata, es­co­lheu o ex-go­ver­nador da Vir­gínia, Tim Kaine, homem de mão de Wall Street co­nhe­cido pelas suas po­si­ções ho­mo­fó­bicas, contra os di­reitos so­ciais, contra a in­ter­rupção vo­lun­tária da gra­videz e a favor da guerra im­pe­ri­a­lista.

Rumo aos anos vinte?

En­tre­tanto, Trump con­tinua uma pe­ri­gosa de­riva fas­ci­zante. Pro­me­tendo «fazer do Par­tido Re­pu­bli­cano um par­tido dos tra­ba­lha­dores», o mag­nata ca­valga as frus­tra­ções da pe­quena e média bur­guesia e ali­menta-se dos medos da classe tra­ba­lha­dora branca. Em­pregos, au­mentos sa­la­riais, ex­pulsão dos imi­grantes, re­pressão dos ne­gros, su­pressão da re­sis­tência nas ruas: é esta a men­sagem do can­di­dato que pode ga­nhar as elei­ções. Mas se tão bem se dá a se­mente do fas­cismo é porque, se­meada na so­ci­e­dade es­tado-uni­dense, en­con­trou acon­chego em leira para o efeito aberta por re­pu­bli­canos e de­mo­cratas. Daí a afli­tiva in­ca­pa­ci­dade de Clinton para res­ponder a Trump: o go­verno de Clinton foi o go­verno da his­tória dos EUA que mais imi­grantes de­portou; des­creveu jo­vens ne­gros como «super-pre­da­dores»; pa­tro­cinou golpes de Es­tado nas Hon­duras, no Pa­ra­guai, na Ucrânia e em ou­tros tantos países; levou a guerra e a morte a 10 mil lí­bios; atirou a Síria para o caos, pro­vo­cando meio mi­lhão de mortos; pro­moveu uma po­lí­tica ne­o­li­beral de des­truição de di­reitos dos tra­ba­lha­dores…

Quer isto dizer que Trump é igual a Clinton? Não, mas as di­fe­renças fun­da­men­tais não são re­tó­ricas mas eco­nó­micas: re­pre­sen­tando di­fe­rentes in­te­resses da mesma classe, Trump é mais apra­zível aos in­te­resses de sec­tores, ac­tu­al­mente mi­no­ri­tá­rios, da alta bur­guesia dos ser­viços e do imo­bi­liário que pro­curam uma ali­ança com a pe­quena e a média bur­guesia atas­cadas na crise. Clinton, não des­de­nhando ne­nhum destes pro­pó­sitos, é mais fa­vo­rável ao «ca­pital fic­tício» da es­pe­cu­lação fi­nan­ceira e da in­te­gração eco­nó­mica pre­vista no âm­bito da NAFTA, do TTIP e do TTP.

Neste es­tado de coisas, o mo­vi­mento en­ca­be­çado por Bernie San­ders irá en­tornar-se por todas as can­di­da­turas, re­for­çando, como nunca desde os anos 20, os re­sul­tados das can­di­da­turas à es­querda do PD. Entre as seis prin­ci­pais, a de Jill Stein, do Par­tido Verde (GP) e apoiada pela Al­ter­na­tiva So­ci­a­lista (SA); a de Gloria la Riva, do Par­tido pelo So­ci­a­lismo e Li­ber­tação (PSL) e apoiada pelo Par­tido Paz e Li­ber­dade (PFP) e pelo Par­tido da União para a Li­ber­dade (LUP) e a de Mo­nica Mo­o­rehead, do Par­tido do Mundo dos Tra­ba­lha­dores (PWW). À es­querda, outra mi­noria conta a velha his­tória de que para evitar Trump é ne­ces­sário apoiar Hil­lary. Será Hil­lary, com­pa­rada com Trump, o mal menor? Em quê?




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