Cartaz notável num evento sem paralelo
A Commedia dell'Arte, movimento italiano de actores contra as práticas cortesãs e o teatro conformista nos séculos XV e XVI, vai ocupar um lugar central na 28.ª edição do Festival de Almada (FTA), a decorrer entre entre 4 e 18 de Julho.
O ponto culminante deste consagrado evento de características e dimensão ímpares no País é a homenagem a Ferruccio Soleri, o célebre intérprete de «Arlequim, servidor de dois amos», o espectáculo emblemático de Giorgio Stehler.
Foi o próprio director do Teatro Municipal de Almada e director do Festival, Joaquim Benite, quem o anunciou no dia 22 numa conferência de imprensa destinada a divulgar o cartaz composto por 27 espectáculos que subirão à cena em teatros de Almada, Lisboa, Coimbra e Porto.
Esta homenagem à Commedia dell'Arte foi justificada por ser esta «uma das grandes tradições do teatro ocidental e da cultura mediterrânica», a par do facto de estar a ser ultimado pela UNESCO o processo com vista a que seja declarada já este ano como uma «corrente teatral património cultural e imaterial da humanidade».
A Commedia dell'Arte, acrescentou, «ganhou, no processo da sua itinerância, e da constituição de companhias muitas vezes familiares, uma autonomia e uma capacidade de intervenção social e crítica que inscreveram a arte teatral na marcha decisiva do homem pela assumpção dos direitos humanos e da democracia».
Sobre o cabeça de cartaz da edição deste ano, Ferruccio Soleri, que se dedica há mais de 50 anos ao Arlequim - interpretou-o pela primeira vez em 1963 -, disse ainda Joaquim Benite tratar-se de um «verdadeiro símbolo do teatro mundial».
Falando aos jornalistas, Ferruccio Soleri observou que no mundo actual o Arlequim que ele é há meio século não poderia existir. «É uma personagem que se desenrasca sozinha, com o apoio da sua inteligência, da sua força e determinação. Hoje em dia é preciso ter apoios financeiros ou políticos», ironizou.
Estreia absoluta
A marcar a edição do Festival deste ano está, por outro lado, o «esforço na participação e na co-produção de espectáculos em estreia». Só a Companhia de Teatro de Almada apresenta quatro novas produções, dirigidas por quatro encenadores diferentes, «juntando-se assim ao conjunto de novas criações que inclui duas estreias estrangeiras e mais cinco nacionais, na maior parte protagonizadas por jovens artistas emergentes».
Ainda sobre a organização do festival, nomeadamente quanto ao facto de haver «dificuldades financeiras» - menos cem mil euros do que na edição anterior -, Joaquim Benite considerou que não obstante esse constrangimento foi possível garantir «uma das melhores programações de sempre». «Graças a uma teia de cumplicidades, graças a uma economia dos afectos», explicou, concluindo daí que tal significa «que as crises podem combater-se aproveitando o capital humano».
E por isso, ainda a este respeito, não poupando na crítica ao desempenho do Ministério da Cultura cessante, o director da CTA considerou que este representou «um momento de catástrofe e de destruição para a Cultura e para o Teatro».
O Festival de Almada só é entretanto possível devido, em larga medida, à extraordinária equipa de colaboradores do Teatro Municipal de Almada, facto que Joaquim Benite não deixou de realçar, sublinhando que sem a «competência inexcedível» e a «preparação intelectual e técnica de nível superior» por todos eles revelada não teria sido possível pôr de pé este grandioso acontecimento cultural.
«A nossa pequena estrutura organizativa demonstra que o principal capital é a preparação das pessoas, o seu empenho, a sua determinação, e o seu amor ao trabalho que desenvolvem», sustentou.
Reflexão e debate
Não se confinando a uma mostra de produções, o Festival de Almada, como tem sido habitual, procura ser também como um momento de reflexão e debate. Assim volta a suceder na presente edição com a organização de dois «Encontros da Casa da Cerca», com o conjunto de «Colóquios na Esplanada» (nos quais estarão presentes inúmeros criadores), não falando nas sessões de apresentação de livros, nos workshops, entre outras iniciativas.
Assegurada está, por outro lado, como é também já tradição, a presença de grandes figuras da criação teatral contemporânea. É o caso do francês Joel Pommerat e do alemão René Pollesch, que apresentam pela primeira vez espectáculos seus em Portugal, juntando-se assim à galeria de grandes criadores cuja estreia no nosso País ocorreu através do Festival de Almada.
Acontecimento cultural
No Festival participam este ano 32 companhias oriundas de 10 países (Portugal, Espanha, França, Alemanha, Itália, Reino Unido, Roménia, Tunísia, Chile e EUA), integrando 281 actores e 182 cenógrafos, figurinistas, técnicos e restantes membros das equipas artísticas.
Almada, Lisboa, Porto e Coimbra são as cidades que acolhem os espectáculos que preenchem o programa do Festival, com um orçamento que ronda os 580 mil euros. Somando as equipas de todos os espaços teatrais, o seu número perfaz 642 pessoas, o que ilustra bem não só o grau de complexidade de uma iniciativa desta natureza como também o superior nível de exigência que a mesma coloca em planos como o da sua direcção e organização.
A assinatura que dá direito a assistir às 27 produções é de 75 euros para o público em geral, sendo de 45 euros para o público sénior e de 35 euros para os jovens até aos 25 anos.