Líbia cercada pelo imperialismo
Forças leais ao governo líbio e grupos afectos aos rebeldes continuam a disputar o controlo das principais cidades do país, ao mesmo tempo que o imperialismo aperta o cerco a Khadafi.
«A NATO procedeu, sexta-feira, dia 4, a exercícios militares no Mediterrâneo»
No domingo, milhares de apoiantes do governo liderado por Muammar Khadafi saíram às ruas da capital, Tripoli, para celebrarem a reconquista de algumas posições aos rebeldes. A manifestação, que teve o seu ponto alto na Praça Verde, surgiu depois da televisão estatal informar que as forças leiais ao presidente haviam reconquistado importantes cidades como Misarata, Sauiya, Ben Jawad, Ras Lanuf ou Al-Zawyia.
Os dados oficias indicavam ainda que o exército líbio tinha já condições para preparar uma contra-ofensiva em direcção a Brega e Benghazi, principais bastiões dos revoltosos e os mais importantes centros petroquímicos do território.
As autoridades garantiam igualmente que as operações impediram os insurgentes de tomar Sirte, mas os revoltosos negam ter perdido qualquer posição e apelidam as informações difundidas pelo regime líbio de propaganda.
Face aos dados contraditórios sobre a evolução da situação militar, o que parece mais seguro é que no território prossegue a disputa pelo controlo das principais cidades.
Isolamento internacional
Entretanto, em entrevista publicada pelo semanário francês Le Journal du Dimanche, Khadafi manifestou-se favorável a que uma comissão de inquérito da ONU se desloque à Líbia para «ver o que se está a passar», e assegurou que o seu executivo não colocará qualquer entrave à mobilidade da missão das Nações Unidas.
As declarações de Khadafi são consistentes com o que os representantes do governo do país junto da ONU têm dito, expressando a disposição de Tripoli em receber qualquer grupo de observadores cujo objectivo seja o de aquilatar as necessidades em matéria humanitária, particularmente no que toca a milhares de trabalhadores migrantes que fogem dos combates em direcção às fronteiras com o Egipto e a Tunísia.
Com esta posição, o governo de Khadafi procura retirar margem de manobra às movimentações que o procuram isolar no plano das Nações Unidas. O facto é que, até agora, tal pretensão não tem sido conseguida, já que o Conselho de Segurança aprovou a imposição de sanções, que vão desde o embargo à venda de material bélico ao país até congelamento de fundos depositados em bancos estrangeiros.
A ONU decidiu também expulsar a Líbia do Conselho dos Direitos Humanos da Organização, medida baseada nas supostas violações dos direitos humanos cometidas pelas tropas leais a Khadafi durante a alegada repressão de pretensas manifestações de massas, cuja existência não foi possível provar com clareza, contrariamente ao que sucedeu na Tunísia e Egipto, e ao que acontece noutros países árabes.
A partir de anteontem, caberá ao embaixador português junto das Nações Unidas, José Moraes Cabral, a liderança do comité de sanções.
No âmbito da resolução 1970 do Conselho de Segurança, o Tribunal Penal Internacional abriu um inquérito a alegados crimes contra a humanidade cometidos pelo governo líbio, mas o próprio porta-voz do TPI foi obrigado a reconhecer que a iniciativa carece de provas cabais.
No mesmo sentido, a Interpol emitiu um alerta internacional contra Muammar Khadafi e outros 15 indivíduos, tidos como parte da sua estrutura de poder. A medida, esclareceu a instituição, não é um mandato de captura em qualquer dos 188 países aderentes ao sistema, concluindo-se, por isso, que é apenas mais uma iniciativa que visa conformar um consenso de pressão e isolamento internacional sobre o governo líbio.
Cerco imperialista
Paralelamente, incrementa-se o cerco imperialista à Líbia. Para além da suposta repressão e dos crimes contra civis cometidos pelo regime de Khadafi, a evacuação de trabalhadores estrangeiros tem sido outro dos argumentos para exigir a intervenção da UE e dos EUA, mas esta suposta necessidade é desmentida pelo facto de a Turquia, China e Índia, por exemplo, terem procedido ao resgate de dezenas de cidadãos em transportes fretados para o efeito e sem qualquer necessidade de acção armada.
Acresce que as afirmações de Khadafi têm sido continuamente deturpadas, sendo o exemplo mais gritante o facto de alguns órgãos de comunicação social terem noticiado que coronel ameaçou matar milhares de pessoas caso a NATO interviesse no país. Na verdade, Khadafi disse que se a Aliança Atlântica atacasse a Líbia, tal resultaria na morte de milhares de pessoas, o que não só é substancialmente diferente do difundido como, aliás, é uma possibilidade comprovada pelas operações em curso no Afeganistão.
Mas o que continua a ecoar com mais estrondo nos meios de comunicação social são as declarações das potências imperialistas. Barack Obama disse ter já dado «instruções aos departamentos de Estado e de Defesa para equacionarem um amplo leque de opções». Os responsáveis diplomáticos da Alemanha, França e Reino Unido insistem na entrega do poder por parte de Khadafi, com os germânicos a exigir mesmo a imposição de novas sanções, alegando «crimes contra o povo líbio», enquanto que os gauleses falam em «loucura criminosa» e os britânicos em «persistência de níveis de violência ilegítima».
A Itália, antiga potência colonial, suspendeu o pacto de não-agressão firmado com a Líbia em 2008, e ao largo do território encontram-se já dois navios de guerra dos EUA com pelo menos dois mil soldados de infantaria.
No mesmo sentido, a NATO procedeu, sexta-feira, dia 4, a exercícios militares no Mediterrâneo, e muito embora o seu secretário-geral, Anders Fogh Rasmussen, tenha garantido que «não existe intenção de intervir», não deixou de esclarecer que as manobras têm como objectivo acautelar «qualquer eventualidade», até porque se multiplicam os apelos da oposição sublevada para que se crie uma zona de exclusão aérea que impeça Khadafi de bombardear as respectivas posições.
O coro de vozes que tem reclamado uma intervenção tem crescido. Para além de Obama ter recebido uma carta subscrita por dezenas de neoconservadores instando o presidente a agir militarmente, o líder republicano no senado, Mitch McConnell, admitiu que os EUA possam armar os rebeldes líbios. Em entrevista à estação de televisão CBS, McConnell comparou a situação no Norte de África com acontecimentos semelhantes durante a Guerra Fria, lembrando que a opção de armar rebeldes afectos a interesses dos EUA foi, à época, uma solução «que utilizámos com frequência».
Na mesma linha, o ex-candidato à presidência norte-americana, John McCain, considerou que, para além da ajuda humanitária, os EUA deverão fornecer «assistência técnica, ao nível dos serviços de informação e formação» ao que chamou de «governo provisório de Benghazi».
Rostos ocultos da revolta
A cúpula da revolta na Líbia reuniu pela primeira vez. Embora o denominado Conselho Nacional Independente (CNI) já tivesse sido citado, foi no passado sábado que assumiu publicamente a sua existência. Logo no primeiro comunicado acalmou o capital estrangeiro com a promessa de que respeitará todos os contratos de exploração dos recursos petrolíferos em vigor, até porque, sublinhou Ahmed El-Zouber, apresentado como um influente membro do CNI, «se esses interesses forem garantidos pelo governo de transição, as companhias e os países que apoiavam Khadafi lidarão connosco como lidaram com ele».
Na liderança do CNI estará o ex-ministro da Justiça, Mustafah Abdejalil, em torno do qual se encontram outros 30 opositores, 23 dos quais com identidade secreta «por razões de segurança».
Apesar da nebulosidade em torno do CNI, o New York Times publicou uma peça que esclarece que um dos grupos mais activos na estrutura é a Frente Nacional para a Libertação da Líbia (FNLL), criada em 1981, financiada pela CIA, com escritório em Washington, e que terá mantido um grupo armado na fronteira egípcia.
Outro grupo revelado pelo periódico norte-americano é Conferência Nacional da Oposição, na qual se inclui a FNLL e a União Constitucional Líbia, dirigida pelo pretendente ao trono líbio, Muhamad as-Senussi. Na verdade, a bandeira monárquica tem sido das mais filmadas nas concentrações difundidas pelos grandes meios de comunicação social.
Ingerência comprovada
O primeiro-ministro britânico, David Cameron, disse abertamente que tudo fará para promover uma mudança de regime na Líbia, pois chegou «a hora de Khadafi sair». A afirmação deve ser levada a sério, dado que o secretário de Defesa do Reino Unido, Liam Fox, confirmou que «diplomatas» escoltados por oito militares foram detidos pelos rebeldes na Líbia quando tinham por missão encontrar-se… com os líderes rebeldes.
Um diário paquistanês, por outro lado, garante que forças especiais norte-americanas e instrutores de Defesa ingleses e franceses desembarcaram na Líbia para treinar os revoltosos. O Pakistan Observer afirma que os militares imperialistas terão chegado a 23 e 24 de Fevereiro a Benghazi e Tobruk, facto que o jornal diz ter sido confirmado por um diplomata líbio na região.
As informações do periódico paquistanês coincidem com as divulgadas pelo sítio de Internet dos serviços de informação israelitas, que anunciavam, nos primeiros dias deste mês, a presença na Líbia de instrutores norte-americanos, franceses e britânicos com o objectivo de auxiliarem os rebeldes.