Coisa de ocasião

Jorge Cordeiro

Com este título Luís Fazenda fez publicar um artigo no «esquerda.net» em vésperas das eleições do passado domingo. Lendo-o, percebia-se o seu alcance: uma antecipada aceitação da vitória de Cavaco Silva, em jeito de resignada confissão da falência do projecto que o BE abraçou; a inevitável transferência para o PCP das responsabilidades que ao Bloco e à sua estratégia devem ser assacadas.

Verbera Luís Fazenda aquilo que designa por «sectarismo do PCP» por não ter percebido que «Alegre se situa à esquerda de qualquer outro candidato antes apoiado pelo PCP» ou por ignorar que este candidato era um «desalinhado no PS».

Se dúvidas houvesse de que a dificuldade aguça o engenho, o texto de Fazenda acaba desfazendo-as. Ainda que por caminho sinuoso. Percebe-se o incómodo. Percebe-se que Fazenda, como muitos outros, não se conforme por ter sido arrastado para apoiar, agora, Alegre enquanto candidato do PS, quando há cinco anos o não apoiou quando este se apresentou contra o PS; que tenha a sensação de que algo pode não ter batido certo quando os principais dirigentes do BE, dividindo a tribuna com Augusto Santos Silva, Sócrates ou Assis, se uniam em torno de um discurso sem saída e sem coerência; que não tenha gostado sinceramente de ouvir Alegre sustentar como um mal menor e necessário o Orçamento do Estado; que se sinta, ainda, legitimamente aturdido pelos elogios de Alegre à coragem de Sócrates e do seu Governo pela política que estão a promover; que não se sinta à vontade de ter visto Alegre brandir a questão do BPN sabendo que o Bloco votou sozinho ao lado do PS a «nacionalização» dos prejuízos daquele banco.

Percebendo-se estes e outros incómodos, não fica bem contudo a Luís Fazenda tão laboriosa argumentação para chegar a conclusões preconcebidas. Tanto mais que, como ele bem sabe, não foi o PCP que esteve ausente neste objectivo de derrotar Cavaco Silva e de contribuir para uma ruptura com a política de direita, mas sim o BE que, ou não se viu, ou quando se viu foi em más e desaconselháveis companhias. Talvez porque alguém no BE tenha visto na candidatura de Alegre mais uma ocasião para se aproveitar da «coisa» do que uma «ocasião» para derrotar a política de direita.



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