Decadência e confrontação
A chantagem global tarifária dos EUA tem um destinatário central. O imperialismo norte-americano está obcecado em conter a China. A coerção e choque comercial visam, por um lado, conter a economia e desenvolvimento tecnológico chineses e, simultaneamente, forçar os aliados dos EUA e o resto do mundo a alinhar com a política de isolamento da China perseguida por Washington – com ou sem cenoura, extorsionando-os e impondo-lhes novas cedências. É este o significado da encenação de Trump do «Dia da Libertação». A aplicação de taxas aduaneiras a Pequim que atingem os 145% abriu uma nova fase da política de decoupling e confrontação com o gigante asiático e segunda economia mundial.
Não admira o nervosismo generalizado das bolsas. As medidas anunciadas agravaram o caos e incerteza nos mercados mundiais e na cena internacional. Com um nível de integração produtiva e interdependência económica sem paralelo na história, a ameaça de disrupção das cadeias de abastecimento e regresso em força da inflação colocam o espectro de uma recessão nos próprios EUA e no plano mundial.
Neste contexto, são muitas e variadas as vozes que apontam para a incongruência da política da Administração Trump. Eliminar um défice comercial estrutural é compatível com a manutenção do privilégio exorbitante do domínio do dólar como moeda de reserva mundial? E sem a faculdade “ilimitada” de imprimir dólares como poderia ser alimentada uma dívida colossal, na essência, insustentável? Os objectivos ambiciosos fixados não só descolam cada vez mais das possibilidades reais dos EUA para os alcançar, como as medidas adoptadas afiguram-se ineficazes e contrapruducentes. Para o director do insuspeito Peterson Institute, «a economia dos EUA irá sofrer mais do que a economia chinesa» no braço-de-ferro tarifário (Foreign Affairs, 09.04.25). «Os Estados Unidos importam produtos vitais da China que não podem ser substituídos a curto prazo ou produzidos internamente a um custo inferior a um nível proibitivo.» Em «caso de escalada os danos aumentarão» e os EUA enfrentariam «uma escassez de matérias-primas e componentes críticos».
Não é por acaso que as contra-medidas de Pequim abarcam novas restrições à exportação de terras raras: a China possui as maiores reservas conhecidas destes minerais estratégicos (mais de 30%) e, mais importante, 90% da capacidade de refinação mundial. Não passa de uma falácia o argumento de Trump de que as tarifas equivalem à reindustrialização dos EUA. O artigo da FA conclui: «(...) Trump está a embarcar num equivalente económico da Guerra do Vietname: a escolha de uma guerra que em breve resultará num atoleiro». Em que todos perdem, mas estar-se-á para ver quem isola quem. Aos olhos do mundo, os EUA afirmam-se como verdadeiro estado pária.
Confirmando a trajectória de decadência e estagnação, as medidas de Trump são um sinal de fraqueza e desespero. Esta é uma etapa muito perigosa de acumular de contradições e de uma guerra de classe em que sectores do grande capital vêem a saída numa agenda antidemocrática coerciva e radical, de imposição de um regime de “escravatura financeira” mundial, descida massiva dos impostos para os mais ricos, privatização a eito e destruição dos sistemas públicos sociais. De confrontação e guerra. O foco é a China. Rutte acaba de voltar do Japão: a NATO continua a incorporar a doutrina dos EUA da “ameaça chinesa”. A crise imperialista está a empurrar o mundo para uma catástrofe que é preciso travar.