Crianças, adolescentes e ecrãs

Margarida Botelho (Membro do Secretariado e da Comissão Política)

A exposição excessiva de crianças e jovens a ecrãs lúdicos tem graves consequências

A propósito da série «Adolescência» e da violação de uma jovem publicada nas redes sociais, voltou a falar-se muito da relação das crianças, dos adolescentes e dos jovens com os ecrãs lúdicos.

O abuso de ecrãs não é um fenómeno novo. As horas passadas a ver televisão ou a jogar em consolas preocuparam pais e educadores nas últimas décadas. Mas o fenómeno acelerou com a generalização dos smartphones, que começaram a ser vendidos em Portugal em 2009, das redes sociais e dos jogos online.

Têm vindo a ser divulgados estudos que demonstram que a exposição excessiva de crianças e jovens a ecrãs lúdicos tem graves consequências para a sua saúde (obesidade, problemas de visão, músculo-esqueléticos, cardiovasculares, ansiedade, depressão e perturbações no sono), no comportamento (agressividade, problemas de socialização e adição), no plano cognitivo (problemas na linguagem, na concentração e na memorização), bem como no aproveitamento escolar. As consequências aumentam na razão directa do número de horas a que as crianças e jovens estão expostos, bem como da idade em que o fazem. O carácter viciante dos ecrãs afecta o desenvolvimento dos cérebros ainda em crescimento, com consequências mais profundas do que as geradas no cérebro adulto.

Mais de metade dos alunos a partir do segundo ciclo passa, pelo menos, quatro horas em frente a um ecrã nos dias de semana, relevou um estudo do Ministério da Educação. Facto que contrasta com as recomendações da Sociedade Portuguesa de Neuropediatria: evicção de ecrãs até aos 3 anos; 30 minutos por dia dos 4 aos 6 anos; uma hora por dia dos 7 aos 11, duas horas dos 12 aos 15 anos e um máximo de três horas por dia até aos 18 anos.

Os ecrãs estão presentes cada vez mais cedo na vida das crianças, em quase todos os espaços que frequentam e na forma como os adultos os usam. O recurso a ecrãs lúdicos para manter crianças muito pequenas entretidas é facilmente visível em restaurantes, nos transportes, ou mesmo nas creches e no pré-escolar, nas horas que antecedem as actividades lectivas ou enquanto esperam que as famílias os vão buscar. Nas crianças mais velhas, sobretudo a partir do 5.º ano, é frequente o seu uso também nos recreios escolares.

Um problema de toda a sociedade
Se as consequências físicas, psicológicas e relacionais deste uso excessivo estão estudadas, a dimensão do que se perde parado a olhar para um ecrã é mais difícil de medir. As brincadeiras que não se tiveram, os amigos que não se conheceram, as palavras que não se aprenderam, as aventuras que não se viveram, o abraço que não se deu, o conflito que não se resolveu, as horas de sono que se perderam, o sentido crítico que não se desenvolveu, têm consequências na construção da personalidade de cada um.

O conteúdo do que se vê no ecrã também merece preocupação. Os pedidos de ajuda ao ICAD por dependência de jogos e de Internet de jovens entre os 12 e os 24 anos cresceram 172% em quatro anos. A exposição de crianças e jovens a conteúdos violentos e pornográficos, bem como a situações de abuso sexual, têm levado as forças policiais a emitir avisos às famílias e às escolas. Um estudo da Ordem dos Psicólogos sobre desinformação publicado na semana passada estima que metade dos jovens de 15 anos não consiga distinguir um facto de uma opinião que leia na Internet. Os impactos das redes sociais na saúde mental e na auto-imagem corporal, sobretudo das raparigas, têm sido sucessivamente denunciados.

A sociedade deve enfrentar os problemas que o uso excessivo de ecrãs lúdicos está a gerar. São necessárias medidas para proteger as crianças e os jovens. É preciso que as crianças tenham tempo livre, recreios apelativos na escola, autonomia e segurança para viver o espaço público. É preciso defender o direito das crianças e dos jovens a brincar, a conviver, à actividade física, a crescer em liberdade, com interesses diversificados e confiança no futuro.

Mas o abuso de ecrãs lúdicos não é um exclusivo das crianças e dos jovens. Não é possível modificar as suas atitudes sem uma alteração dos comportamentos da sociedade em geral e sem enfrentar os interesses das multinacionais do digital. Culpar as novas gerações, estigmatizar os adolescentes, enchê-los de proibições, não é aceitável e só resultará em mais sofrimento.

 



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