Canadá, México e China repudiam tarifas dos EUA
O presidente dos EUA decretou a aplicação de tarifas alfandegárias aos principais parceiros comerciais do país – Canadá, México e China –, que ripostaram com contramedidas.
A ameaça de imposição, e a imposição, pelos EUA de tarifas aduaneiras constitui um instrumento ao serviço dos interesses do grande capital norte-americano
Washington anunciou a imposição de tarifas de 10% às importações procedentes da China e de 25% aos produtos do Canadá (excepto para os produtos petrolíferos, taxados em 10%) e do México. Para justificar a imposição destas tarifas, a administração norte-americana dispara acusações em que procura responsabilizar os três países pelo tráfico de droga nos EUA.
Estas medidas deveriam ter entrado em vigor anteontem, 4, mas no caso do México e do Canadá acabaram por ser adiadas por um mês, na sequência de contactos entre as autoridades dos dois países e a nova administração dos EUA. O reforço militar junto à fronteira por parte do México, o compromisso dos EUA em trabalhar para impedir o tráfico de armas para o vizinho do sul e o aprofundamento dos contactos mútuos sobre segurança e comércio estão na base da suspensão da aplicação das tarifas. Também o Canadá se comprometeu a reforçar a vigilância na fronteira com os EUA e a desenvolver os contactos mútuos sobre segurança e comércio, levando igualmente à suspensão da aplicação das tarifas.
México e Canadá respondem
Dias antes de ter anunciado o acordo que levou à suspensão das tarifas, a presidente do México, Claudia Sheinbaum, reagira com indignação às medidas impostas por Washington e às infundadas acusações com que eram justificadas. «Nada pela força, tudo pela razão e pelo direito», asseverou a chefe do Estado, que rejeitou a «calúnia» feita pela Casa Branca – sem apresentar uma qualquer evidência – de uma suposta “aliança” entre o governo mexicano e os cartéis da droga. Acusar o governo do México de aliado do narcotráfico é, além de uma ofensa ao país, «um pretexto para distrair a opinião pública dos EUA do tremendo erro de impor tarifas».
O México, garantiu, não deseja nenhum tipo de confrontação, mas adoptará todas as medidas necessárias para se defender dos ataques dos EUA – como fez, anunciando tarifas sobre a importação de produtos norte-americanos. Insistiu ainda que só o diálogo é o caminho adequado para acabar com problemas como a migração de pessoas indocumentadas para os EUA e o tráfico ilegal de drogas.
Também o governo do Canadá anunciara, antes do acordo, a aplicação de tarifas de 25% a produtos importados dos EUA, como retaliação das medidas decretadas por Washington. As tarifas alfandegárias canadianas atingiriam produtos e bens norte-americanos no valor de 155 mil milhões de dólares, segundo Ottawa. O primeiro-ministro demissionário Justin Trudeau advertiu que as «consequências reais» da guerra tarifária serão sentidas também na economia norte-americana.
EUA, Canadá e México integram um tratado de livre comércio entre os três países da América do Norte, o T-MEC (Tratado entre México, EUA e Canadá), cujo futuro é agora incerto.
«Guerras comerciais não têm vencedores»
Sem adiamento parece permanecer a imposição de tarifas a produtos chineses, com a República Popular da China a anunciar contramedidas às tarifas dos EUA. A partir do próximo dia 10, a importação de carvão e Gás Natural Liquefeito dos EUA estará sujeita a taxas de 15% e o petróleo bruto, os equipamentos agrícolas e alguns automóveis a taxas de 10%.
A China expressou «profundo descontentamento» e firme oposição face à decisão dos EUA de impor uma tarifa alfandegária de 10% aos produtos e bens chineses que ingressem no mercado norte-americano, anunciando que fará uma queixa junto da Organização Mundial do Comércio. Garantindo que a medida não resolverá os problemas internos dos EUA, a China realça que as «guerras comerciais e tarifárias não têm vencedores. Esta acção prejudica não só as duas partes, mas também o mundo».
A China lembra que é um dos países com as políticas anti-drogas mais rigorosas e efectivas. Em 2019, a pedido dos EUA, converteu-se no primeiro país a regular todas as substâncias relacionadas com o fentanil e demonstrou o seu compromisso com a cooperação internacional na luta contra o tráfico de drogas.
Tendo imposto tarifas sobre produtos oriundos do México, Canadá e República Popular da China, o presidente norte-americano Donald Trump tem-se referido à possibilidade de o vir a fazer também relativamente a produções de outras proveniências, como a União Europeia, a África do Sul ou o Brasil.
Marco Rubio pressiona o Panamá
No Panamá, onde esteve em visita, o Secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, exigiu das autoridades do país centro-americano o que chama de redução de «influência chinesa» no Canal. A recuperação do controlo norte-americano sobre o Canal foi, aliás, uma das medidas apontadas por Donald Trump ainda antes de tomar posse como presidente dos EUA.
Em declarações à imprensa, na sequência do encontro com Marco Rubio, o presidente do Panamá, José Raúl Mulino, garantiu que não há qualquer dúvida ou negociação com os EUA sobre o Canal. A soberania do Panamá, acrescentou, não está em causa. No entanto, Mulino anunciou que o seu governo não renovará a sua participação na iniciativa chinesa «Uma Faixa, uma Rota» quando o actual acordo expirar, no que é visto como uma cedência às imposições de Washington. Persiste a especulação, no país centro-americano, acerca da possibilidade do governo vir a retirar da gestão do Canal a empresa que actualmente a assegura, sediada em Hong Kong.
Na América Latina defende-se a dignidade
Para além das taxas alfandegárias, também a deportação de imigrantes está a agravar as tensões entre os EUA e alguns países da América Latina.
A 26 de Janeiro, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, recusou-se a receber imigrantes em aviões militares norte-americanos, algemados e tratados como criminosos: «Um migrante não é um delinquente e deve ser tratado com a dignidade que um ser humano merece. Por isso, mandei de volta os aviões militares norte-americanos que transportavam migrantes colombianos», afirmou, em comunicado publicado nas redes sociais. O governo colombiano mandou, em seguida, o avião presidencial aos EUA buscar os referidos migrantes, que voltaram ao seu país com dignidade.
As autoridades da Colômbia anunciaram no dia 27 que chegaram a acordo com a administração norte-americana relativamente à forma de repatriar os cidadãos colombianos «com condições dignas, como cidadãos com direitos».
O presidente venezuelano esteve reunido na semana passada com Richard Grenell, enviado especial de Donald Trump. Nicolas Maduro propôs que as relações entre os dois países, incluindo sobre matérias migratórias, se processem numa lógica de igualdade e respeito pela autodeterminação.
No dia 25, o governo do Brasil denunciou a chegada ao país de um avião proveniente dos EUA com 88 cidadãos brasileiros repatriados. Muitos viajaram algemados, tendo sido de imediato libertados pela Polícia Federal à chegada ao aeroporto de Manaus. Para o governo brasileiro, tratou-se de um «flagrante desrespeito» pelos direitos fundamentais dos seus cidadãos.
Se as deportações de imigrantes dos EUA fazem hoje notícia, elas não começaram agora. Só em 2024, ainda com a administração Biden, foram deportados mais de 271 mil imigrantes, oriundos de vários países da América Latina (México, Guatemala, Honduras e outros, como o Brasil).