Uma história americana de terror

António Santos

Ninguém sabe ao certo quantos imigrantes já foram detidos. Fala-se em muitos milhares. Muitos milhares já eram deportados nos tempos de Biden, é certo, mas Trump veio acrescentar ao medo latente um terror assumido e inédito. De costa a costa, as imagens multiplicam-se: esperas policiais à porta de escolas; fábricas cercadas por soldados; mães aos gritos a serem separadas dos filhos; trabalhadores perseguidos pelas ruas; estaleiros de construção civil vazios; campos abandonados. As presas são trabalhadores imigrantes que Trump tratou de desumanizar sob o epíteto de «criminosos» ou «animais», mas sem os quais o país, pura e simplesmente, não funcionava.

Os imigrantes indocumentados representam quase metade da mão-de-obra em importantes sectores da economia como a agricultura, a indústria de processamento de carnes ou construção civil. Teresa Romero, líder do principal sindicato de trabalhadores agrícolas dos EUA, não tem dúvidas: «Trump quer imigrantes, mas quere-os sem direitos, sem coragem para abrir a boca. Quando um operário agrícola é separado da sua família e é deportado, os colegas ficam tão aterrorizados que até dão graças a deus por ainda terem um salário, por mais baixo que ele seja», disse-me. «O Trump está a fazer um truque duplo: baixa os salários dos imigrantes sem papéis pela via do desespero e do medo e substitui os deportados por novos imigrantes sazonais com papéis e que, de forma totalmente legal, ainda vão ser mais explorados.»

Acresce que, nos EUA, a ilegalidade da imigração nem sempre é clara. Conheço portugueses que vivem há 40 anos nos EUA e são imigrantes «ilegais». Trabalham, pagam impostos, compraram casa, têm segurança social e até têm carta de condução, mas chegaram num tempo em que isso bastava. Nos EUA não há documentos de identificação obrigatórios nem equivalente ao nosso cartão de cidadão e milhões de pessoas não têm nada que prove que são estado-unidenses. Isto quer dizer que frequentemente, quando organiza redadas e caçadas, a ICE, força policial que faz cumprir as leis de imigração, prende qualquer pessoa que pareça «estrangeira».

Mas a ameaça da deportação não chega apenas aos trabalhadores indocumentados. Miguel Monteiro, estudante português de doutoramento nos EUA, descreve «um clima de medo e de caos». Foi um entre centenas de milhares de estudantes que ergueram as suas vozes contra o genocídio do povo palestiniano. Trump assinou, na semana passada, uma ordem executiva para deportar todos os estudantes internacionais que tenham participado nestes protestos. «Não quero ser deportado, mas se tiver de ser, tenho para onde ir, ao contrário de muitos», explicou-me. «Depois da operação Tufão da al-Aqsa, inquirimos sobre a nossa posição legal. Foi-nos dito que tínhamos tantos direitos de liberdade de expressão quanto qualquer cidadão. (…) Quanto mais isso é posto em causa mais o império americano aparece sem quaisquer véus como aquilo que sempre foi: uma máquina de guerra, de exploração e de supressão para os seus e para os demais».

A guerra de Trump contra os imigrantes enquadra-se na luta mais vasta do grande capital contra toda a classe trabalhadora dos EUA: o corte no salário dos imigrantes comprime os salários de toda a classe; pela porta da crueldade que se abriu para os imigrantes, passará o terror contra todo o povo.

 



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