«Reprogramar» a política aquém dos fundos do PRR
O governo português apresentou à Comissão Europeia uma proposta de reprogramação dos fundos do PRR, desviando para outros fins verbas que estavam inicialmente destinadas à habitação, à mobilidade e transportes e a outros investimentos. A justificação é a de que se corria o risco de serem desperdiçadas verbas por incapacidade da sua utilização dentro dos prazos que estão previstos nos calendários do PRR.
Atendendo à realidade nacional, não se olha com surpresa para esta decisão. É evidente o estado de carência para que Portugal foi atirado em termos de capacidade de planeamento e execução de investimento público, incluindo a correspondente capacidade produtiva nos mais diversos sectores. Por isso, mesmo quando há recursos financeiros à disposição, são muitas as dificuldades em conseguir utilizá-los eficazmente.
Esta reprogramação dos fundos do PRR vem pôr a nu uma realidade para a qual o PCP tem vindo a alertar há muito tempo: um país que não valoriza, não robustece nem qualifica a sua Administração Pública, que não desenvolve as capacidades produtivas nacionais nem diversifica a sua economia, que não investe no desenvolvimento científico e tecnológico e na sua incorporação na produção nacional, que não controla sectores estratégicos e essenciais para o desenvolvimento nacional, é um país que, mais cedo que tarde, constata que não consegue ter nas mãos os instrumentos de que necessita para dar resposta aos diversos problemas que enfrenta.
A situação a que se chegou agora a propósito dos fundos do PRR revela as consequências de décadas de políticas de direita que exauriram recursos e capacidades da Administração Pública que hoje fazem falta em praticamente todas as áreas da vida nacional, incluindo no planeamento e execução do investimento público. E mostra como o afunilamento da economia no sector dos serviços, desprezando tudo o resto, deixa o país com muitas limitações e dificuldades em dar resposta a necessidades e prioridades nacionais.
A dimensão dos problemas económicos e sociais com que estamos confrontados exige a mobilização de níveis muito elevados de investimento, a começar pelo reforço do investimento público por via do Orçamento do Estado, revertendo o caminho que tem sido feito há décadas em sentido contrário.
Numa lógica de preocupação imediata com o aproveitamento das verbas que Portugal tem à sua disposição, teria feito mais sentido que o Governo se batesse pelo alargamento do prazo dos fundos do PRR. Mas nem a reprogramação dos fundos, nem o alargamento do prazo do PRR dispensam o essencial: o que é preciso é «reprogramar» a política que está por detrás dos problemas nacionais, pondo fim à política de direita que, também nos fundos do PRR, compromete o futuro do País.