Nos 50 anos da «mais bela conquista da Revolução de Abril»

Notável processo de construção colectiva de um País novo

A Re­forma Agrária trans­formou por com­pleto o Alen­tejo e o Ri­ba­tejo

Cen­tenas de pes­soas en­cheram por com­pleto o his­tó­rico e be­lís­simo Te­atro Garcia de Re­sende para evocar os 50 anos da Re­forma Agrária – que Paulo Rai­mundo con­si­de­raria, na úl­tima in­ter­venção da tarde, um «no­tável pro­cesso de cons­trução co­lec­tiva de um País novo, de res­posta or­ga­ni­zada aos pro­blemas da pro­dução e do em­prego, de ma­ni­fes­tação de con­fi­ança numa vida me­lhor, de as­sumpção dos des­tinos de todos nas mãos de quem tra­balha».

Entre os pre­sentes es­tavam al­guns dos que, há meio sé­culo, con­cre­ti­zaram a con­signa A terra a quem a tra­balha, ocu­pando o la­ti­fúndio, cons­truindo e ge­rindo UCP e co­o­pe­ra­tivas, ele­vando a pro­dução, cri­ando infra-es­tru­turas e equi­pa­mentos so­ciais, me­lho­rando as con­di­ções de vida do povo, re­sis­tindo à bru­ta­li­dade da ofen­siva que contra esta con­quista se le­vantou – unindo an­tigos agrá­rios a PS, PSD e CDS, com re­curso às forças po­li­ciais e mi­li­tares. Um filme ali exi­bido deu voz a ou­tros pro­ta­go­nistas, al­guns já de­sa­pa­re­cidos, mas que con­ti­nuam pre­sentes na luta pela terra, pelo tra­balho, pelo pão.

Na pri­meira fila, entre di­ri­gentes do PCP, es­tava um con­vi­dado es­pe­cial: Fer­nando Oli­veira Bap­tista, mi­nistro da Agri­cul­tura e Pescas do IV e V go­vernos pro­vi­só­rios, li­de­rados pelo ge­neral Vasco Gon­çalves. A sua as­si­na­tura está na lei que, em Julho de 1975, con­sa­grou a re­vo­lução nos campos que os ope­rá­rios agrí­colas há muito em­pre­en­diam.

Apoio, es­tí­mulo e so­li­da­ri­e­dade
A sessão co­meçou com as pa­la­vras de Álvaro Cu­nhal, pro­fe­ridas na 1.ª Con­fe­rência dos Tra­ba­lha­dores Agrí­colas do Sul. O di­ri­gente co­mu­nista seria uma vez mais ci­tado na in­ter­venção te­a­tral de Ro­sário Gon­zaga, Álvaro Corte Real e Vítor Zam­bujo, que re­cor­daram uma pas­sagem do es­pec­tá­culo «Re­forma Agrária, 40 anos, três vozes do te­atro», criada há uma dé­cada com o en­ce­nador Luís Va­rela. Justas re­fe­rên­cias, ou não ti­vesse sido o PCP – com a em­pe­nhada par­ti­ci­pação da­quele que era, então, o seu mais des­ta­cado di­ri­gente – a força im­pul­si­o­na­dora da Re­forma Agrária e a sua mais con­se­quente de­fen­sora.

Lem­brada foi, também, a so­li­da­ri­e­dade po­lí­tica e ma­te­rial – de ope­rá­rios in­dus­triais, jo­vens e in­te­lec­tuais de todo o País, bem como da União So­vié­tica e ou­tros países so­ci­a­listas.

De vá­rios pontos do Alen­tejo vi­eram os grupos de Cante, que não po­diam faltar nesta evo­cação, ou não es­ti­vesse tão pro­fun­da­mente li­gado com o tra­balho rural e a pró­pria Re­forma Agrária: os Can­ta­dores do Re­dondo, as Cei­feiras de Pias e o grupo «Vila Mo­rena» can­taram modas de amor, luta e tra­balho e jun­taram-se, no final, para cantar o hino da Re­vo­lução, Grân­dola, Vila Mo­rena. Paulo Rai­mundo, na sua in­ter­venção, lem­brou que o Cante Alen­te­jano foi jus­ta­mente re­co­nhe­cido pela UNESCO como Pa­tri­mónio Mun­dial Ima­te­rial da Hu­ma­ni­dade, uma dis­tinção que «contou desde o pri­meiro mo­mento com a acção e in­ter­venção do PCP nos mais di­versos do­mí­nios».

O pas­sado, o pre­sente e o fu­turo
Apre­sen­tada por Be­a­triz Sousa, a sessão contou com vá­rias in­ter­ven­ções, para além da do Se­cre­tário-Geral, Paulo Rai­mundo: Pa­trícia Ma­chado, da Co­missão Po­lí­tica, leu uma sau­dação da Di­recção Re­gi­onal do Alen­tejo; Vítor Ro­dri­gues re­cordou as trans­for­ma­ções e con­quistas ope­radas com a Re­forma Agrária; Rai­mundo Ca­bral sa­li­entou a luta tra­vada antes, du­rante e de­pois, pelo di­reito ao tra­balho e ao de­sen­vol­vi­mento; Abílio Fer­nandes falou sobre a Re­forma Agrária e o poder local de­mo­crá­tico; José So­eiro re­feriu-se à contra-re­vo­lução no Alen­tejo e à ne­ces­si­dade de com­bater o re­vi­si­o­nismo e a de­tur­pação da his­tória; e Inês Fon­seca ana­lisou a de­sen­freada ex­plo­ração ca­pi­ta­lista da terra que marca o nosso tempo (ver ci­ta­ções nestas pá­ginas).

A evo­cação desta im­por­tante con­quista de Abril é in­dis­so­ciável de quem tem uma visão do fu­turo: 50 anos pas­sados, uma nova re­forma agrária impõe-se como ne­ces­si­dade para as­se­gurar o tra­balho com di­reitos e a so­be­rania ali­mentar do País. «Hoje e no fu­turo, como o foi no pas­sado, a força dos tra­ba­lha­dores e do povo é o ele­mento de­ter­mi­nante e de­ci­sivo», as­se­gurou Paulo Rai­mundo.

 

«Evocar a Re­forma Agrária é afirmar a Re­vo­lução de Abril e o seu ca­rácter pro­fun­da­mente trans­for­mador. É va­lo­rizar a his­tória e a me­mória co­lec­tiva, é ho­me­na­gear os ho­mens e mu­lheres que lu­taram, que a er­gueram e a trans­for­maram, com ale­gria e em­penho na mais bela con­quista de Abril trans­for­mando ra­di­cal­mente a vida e a pro­dução no Alen­tejo e Ri­ba­tejo.»

Pa­trícia Ma­chado

«O la­ti­fúndio é o ele­mento ful­cral para com­pre­ender a Re­forma Agrária de Abril. Fa­lamos de cerca de um terço do ter­ri­tório na­ci­onal co­berto por vas­tís­simas pro­pri­e­dades, muitas em aban­dono ou sub­pro­dução, nas mãos de pro­pri­e­tá­rios ab­sen­tistas, que su­jei­tava uma enorme massa de tra­ba­lha­dores a feroz ex­plo­ração, re­pressão e de­gra­dantes con­di­ções de tra­balho (…).»

Vítor Ro­dri­gues

«[A Re­forma Agrária] nasceu no dia em que os tra­ba­lha­dores, pela pri­meira vez na His­tória do nosso país, to­maram a de­cisão his­tória de ocupar as terras do la­ti­fúndio (de início apenas terras in­cultas e aban­do­nadas) e de ime­diato as co­me­çaram a cul­tivar, num pro­cesso em que mi­lhares de ho­mens e mu­lheres, to­mando nas pró­prias mãos o seu des­tino, pas­saram a tra­ba­lhar mais de um mi­lhão de hec­tares (…).»

Rai­mundo Ca­bral

«Com o apoio de­ter­mi­nante do PCP, a Re­forma Agrária, ini­ciada logo em 1974, veio de­mons­trar a toda a po­pu­lação por­tu­guesa, e par­ti­cu­lar­mente aos alen­te­janos, quão va­liosa foi a con­tri­buição dos tra­ba­lha­dores agrí­colas neste pro­cesso, ao se en­tre­garem com a força e a de­ter­mi­nação do seu tra­balho para o de­sen­vol­vi­mento de uma pro­dução sus­ten­tável em prol da me­lhoria da vida das po­pu­la­ções.»

Abílio Fer­nandes

«A Re­forma Agrária não fa­lhou, não faliu, não ca­pi­tulou, nem es­tava con­de­nada ao fra­casso como nos pro­curam fazer crer os ven­di­lhões da pá­tria. Tudo o que afirmam nesse sen­tido não passa de pura es­pe­cu­lação ao ser­viço da contra-re­vo­lução. A Re­forma Agrária foi bar­ba­ra­mente as­sas­si­nada. Os crimes po­lí­ticos não pres­crevem.»

José So­eiro

«A pro­cura tu­rís­tica e o nú­mero de imi­grantes para tra­ba­lhar au­mentam na razão di­recta dos que deixam este ter­ri­tório. O agro­ne­gócio, com o seu cres­ci­mento ultra-rá­pido, cons­titui um sis­tema pre­dador (…). Não de­vemos es­quecer que a agri­cul­tura é uma parte fun­da­mental da saúde hu­mana e não uma mera forma de pro­dução de mer­ca­do­rias para au­mentar o Pro­duto In­terno Bruto.»

Inês Fon­seca

«A Re­forma Agrária, a mais bela con­quista de Abril, como o ca­ma­rada Álvaro Cu­nhal no­ta­vel­mente a de­finiu, pelo que con­se­guiu e pela forma como o con­se­guiu. Bela porque deu vida ao que antes es­tava ao aban­dono. Bela porque deu tra­balho e elevou as con­di­ções de vida de mi­lhares e mi­lhares de tra­ba­lha­dores agrí­colas e suas fa­mí­lias. (…) Bela porque, ao pro­duzir como pro­duziu, ao al­cançar o que al­cançou, deu mais um exemplo de que o País, ao con­trário do que as forças ba­fi­entas e re­ac­ci­o­ná­rias pro­clamam, tem re­cursos, tem ri­quezas, tem meios, e o povo tem as forças, o saber, a ca­pa­ci­dade para trans­formar a re­a­li­dade para me­lhor.»

Paulo Rai­mundo

 

A Re­forma Agrária

  • Entre 1975 e 1978 foram cri­adas 550 Uni­dades Co­lec­tivas de Pro­dução, que che­garam a ocupar 1,140 mil hec­tares;

  • em 1980, já com a Re­forma Agrária sob ataque, foram se­me­ados 316 mil hec­tares (quatro vezes mais do que antes); a pro­dução de ce­reais au­mentou 46%, com mais 249 to­ne­ladas pro­du­zidas em 1976; o nú­mero de ca­beças de gado cresceu de 130 mil para 167 mil, entre 1976 e 1978;

  • Em 1976 re­gis­tava-se já um au­mento de 50 mil postos de tra­balho, dos quais 33 mil eram per­ma­nentes; os sa­lá­rios das mu­lheres apro­xi­mavam-se dos au­fe­ridos pelos ho­mens.


A po­lí­tica de di­reita e a in­te­gração na CEE/​UE

Desde 1986, quando Por­tugal passou a in­te­grar a então CEE:

  • 400 mil ex­plo­ra­ções foram des­truídas, na mai­oria pe­quenas e mé­dias; no caso do leite, de­sa­pa­re­ceram 85% das ex­plo­ra­ções exis­tentes;

  • re­dução das terras ará­veis em 55,8% desde 1989;

  • a idade média dos agri­cul­tores passou para os 62 anos (53% têm mais de 64 anos);

  • a con­cen­tração da pro­pri­e­dade in­ten­si­ficou-se;

  • o saldo da ba­lança agro-ali­mentar atingiu pe­ri­gosos ní­veis – a de­pen­dência de ce­reais é de 82%, sendo que no caso do trigo chega a 95,8% (as re­servas na­ci­o­nais dão para 15 dias!!!);

  • 20% dos be­ne­fi­ciá­rios das ajudas co­mu­ni­tá­rias re­cebem tanto como os res­tantes 80%. 40% dos pro­du­tores não re­cebem qual­quer ajuda, nem na­ci­onal nem da UE;

  • desde 2002, data da con­clusão da Bar­ragem do Al­queva, mais de 80% do ter­ri­tório agrí­cola mudou de mãos, a es­pe­cu­lação com o preço da terra au­mentou, o ca­pi­ta­lismo agrário flo­resceu.

 

O que é pre­ciso fazer

A si­tu­ação hoje exis­tente exige a trans­for­mação da es­tru­tura fun­diária e a adopção de uma es­tra­tégia de de­sen­vol­vi­mento de acordo com o in­te­resse na­ci­onal. A po­lí­tica agrí­cola que o PCP propõe, e a Cons­ti­tuição con­sagra, ad­mite a agri­cul­tura fa­mi­liar, a pe­quena e média agri­cul­tura e até a agri­cul­tura de grande di­mensão; in­clui agri­cul­tores in­di­vi­duais, so­ci­e­dades agrí­colas, co­o­pe­ra­ti­vismo e as­so­ci­a­ti­vismo agrí­colas; prevê a pro­pri­e­dade pri­vada, a pro­pri­e­dade co­lec­tiva e co­mu­ni­tária e a pro­pri­e­dade pú­blica.

O PCP de­fende, fir­me­mente, uma in­ter­venção co­lec­tiva, a partir da par­ti­ci­pação po­pular ou do poder do Es­tado, que afirme a con­signa a terra a quem a tra­balha e as­se­gure um ade­quado pla­ne­a­mento.

A po­lí­tica agrí­cola que o PCP propõe prevê:

  • as­se­gurar o cré­dito ne­ces­sário aos in­ves­ti­mentos e ao fun­ci­o­na­mento ime­diato das novas ex­plo­ra­ções;

  • in­ter­venção nos mer­cados agrí­colas, ga­ran­tindo o es­co­a­mento das pro­du­ções e preços justos, en­fren­tando os in­te­resses e a di­ta­dura da grande dis­tri­buição co­mer­cial;

  • gestão pú­blica de toda a água, a co­meçar pela água de Al­queva, do re­gadio do Mira e do Sado e dos que se vi­erem a con­cre­tizar, para ga­rantir que esse bem pú­blico é co­lo­cado ao ser­viço dos agri­cul­tores e da pro­dução na­ci­onal;

  • uma po­lí­tica fiscal que con­tribua para o re­di­men­si­o­na­mento da pro­pri­e­dade fun­diária e que as­se­gure a re­dis­tri­buição do ren­di­mento pelos agri­cul­tores; o

  • re­forço das es­tru­turas pú­blicas de in­ves­ti­gação e de­sen­vol­vi­mento;

  • ga­rantir as con­di­ções de vida e os di­reitos de todos os tra­ba­lha­dores agrí­colas, por­tu­gueses e imi­grantes, com­ba­tendo a ex­plo­ração e o trá­fico de mão-de-obra;

  • re­forçar os ser­viços pú­blicos e ar­ti­cular o de­sen­vol­vi­mento agrí­cola com a pro­tecção do am­bi­ente;

  • en­fren­tara brutal de­pen­dência ali­mentar do País.



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