Nos 50 anos da «mais bela conquista da Revolução de Abril»

Reforma Agrária é evocação e projecto

O PCP assinalou os 50 anos da Reforma Agrária com uma sessão pública realizada no domingo, 2,em Évora – cidade que acolheu a 1.ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, as 12 conferências da Reforma Agrária e muitas manifestações em sua defesa.

O arranque decisivo da Reforma Agrária deu-se em Évora, a 9 de Fevereiro de 1975

9 de Fevereiro de 1975 marca simbolicamente o início da Reforma Agrária, justamente denominada «a mais bela conquista de Abril». Não porque as ocupações de terras tenham começado aí, que não começaram (já tinha havido várias nos meses anteriores, para responder à sabotagem dos agrários), mas porque foi a partir desse dia – em que se realizou em Évora, por iniciativa do PCP, a 1.ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul – que para ela se arrancou de forma organizada e impetuosa, sob o mote A Terra a quem a trabalha: «30 000 trabalhadores rurais pronunciam-se pela Reforma Agrária», foi a manchete do Avante!, dias depois, referindo-se a essa conferência.

Sintetizando os motivos que tornavam a Reforma Agrária urgente, Álvaro Cunhal salientou, no encerramento, que «há terras imensas para cultivar» e, ao mesmo tempo, «milhares de braços sem trabalho». E acrescentou: «Do Alentejo das terras incultas, das charnecas, dos pousios, do gado raro e miserável, dos baixos rendimentos das culturas, do Alentejo do desemprego, da fome e da miséria, os trabalhadores, com o apoio do Estado democrático, farão um Alentejo com uma agricultura que dará em abundância os produtos de que os trabalhadores e do País necessitam.»

Impetuosa e profunda
Apontada pelo PCP no seu VI Congresso, realizado em 1965, como um dos oito objectivos da Revolução Democrática e Nacional, a Reforma Agrária foi mais longe, na sua concretização, do que qualquer programa político seria capaz de prever: obra criativa dos operários agrícolas do Alentejo e do Ribatejo, da sua combatividade e unidade – e por isso profundamente revolucionária –, pôs fim ao poder dos agrários e ao latifúndio (um dos sustentáculos do regime fascista) e assumiu características socialistas, com relações de trabalho onde estava ausente a exploração.

E fez mais: multiplicou os postos de trabalho, garantiu direitos laborais e sociais, modernizou e diversificou a produção, construiu infra-estruturas, criou creches, lares, centros comunitários, equipamentos desportivos, postos médicos, cooperativas de consumo.

Fazendo o balanço do que se conquistara em menos de dois anos, Álvaro Cunhal escreveu no seu «A Revolução Portuguesa, o passado e o futuro», de Novembro de 1976, que já então «grande parte dos latifúndios foram liquidados» e que os trabalhadores, libertados dos agrários, «dirigem mais de 400 Cooperativas e Unidades Colectivas de Produção (UCP), numa superfície de mais de 1.000.000 de hectares, ou seja, um quinto da superfície agrícola de Portugal».

Intensa luta de classes
Uma transformação desta envergadura e alcance não foi fruto do acaso. Teve atrás de si décadas de luta do proletariado rural contra o fascismo e pela liberdade, pelo pão e contra as jornas de miséria, pela dignidade e contra a exploração e a opressão. Uma luta corajosa, que teve de enfrentar a brutalidade da repressão (que o digam Germano Vidigal, Catarina Eufémia, Alfredo Lima e José Adelino dos Santos, que o fascismo assassinou), e na qual os operários agrícolas contaram sempre o estímulo e o apoio do PCP.

A conquista, em 1962, da jornada de oito horas, impondo aos agrários e ao fascismo o fim do trabalho de sol a sol, constituiu um momento alto desta luta. Muitos dos combatentes que revelou seriam, 12 anos passados, destacados obreiros da Reforma Agrária.

Como expressão pungente da luta de classes, a Reforma Agrária foi desde a primeira hora alvo dos ataques dos agrários e dos partidos da contra-revolução (o CDS, o PSD e o PS, autor aliás do primeiro golpe legislativo contra ela, a famigerada Lei Barreto). A ofensiva contra a Reforma Agrária, que culminou na sua destruição, foi brutal e multifacetada: envolveu sabotagem económica, conspiração a partir de institutos públicos, alterações legislativas, golpes judiciais e a mais brutal repressão. Forças policiais e até mesmo militares foram envolvidas no roubo violento de terras, no espancamento de trabalhadores e suas famílias, no assassinato de dois operários agrícolas em Montemor-o-Novo: José Geraldo Caravela e António Maria Casquinha.

Ficou a experiência, o exemplo e, sobretudo, a perspectiva.


Apontar ao futuro

Se o que por estes dias se assinala é a Reforma Agrária que revolucionou os campos do Sul na sequência da Revolução de Abril, a transformação da estrutura fundiária do País não é de todo uma questão do passado.

No seu Programa, o PCP inscreve «a realização da reforma agrária que assegure a transformação da estrutura agrária, com a liquidação da propriedade latifundiária e a entrega das terras a unidades colectivas de produção/cooperativas e a pequenos agricultores, com a melhoria da estrutura económico-agrícola das pequenas explorações, incentivando designadamente o associativismo de produção, com o reforço dos direitos dos rendeiros e a garantia da posse, uso e administração dos baldios pelos compartes».

Uma vez mais, esta exigência decorre da realidade concreta, decorrente da destruição da Reforma Agrária e de décadas de política de direita e de submissão às imposições da União Europeia: o País perdeu terras aráveis, agricultores e explorações; importa a esmagadora maioria daquilo que consome; a agro-indústria e a especulação imobiliária controlam as melhores terras; os produtores estão mais pobres, crescentemente esmagados pela grande distribuição.

 

É isto a reforma agrária

em sua própria expressão:

a maneira mais primária

de que nós temos um quinhão

da semente proletária

da nossa revolução.

José Carlos Ary dos Santos



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