Cumprir o direito de acesso à IVG
O SNS é fundamental para cumprir o direito à IVG
Realizou-se no dia 10, na Assembleia da República (AR), um debate proposto pelo PS, visando alterar a actual lei da IVG «apenas naquilo que os estudos» e «a prática têm demonstrado ser de alteração urgente»i: o alargamento do prazo das 10 para as 12 semanas, a pedido da mulher, medidas relativas à objecção de consciência, a eliminação do período de reflexão de três dias. Considerava que, deste modo, se ultrapassariam os obstáculos no acesso das mulheres à IVG.
Não se questiona a legitimidade em propor este debate, mas sim a sua oportunidade, já que as propostas estavam condenadas, porque sempre mereceram a rejeição de PSD e CDS. A actual correlação de forças na AR é determinada por uma maioria PSD e CDS, com o seu sucedâneo CH, num quadro em que são largamente disseminadas concepções e iniciativas reaccionárias, obscurantistas e de ataque aos valores de Abril, incluindo aos direitos das mulheres.
Um debate aproveitado, como era fácil de antever, por CDS e CH, com a apresentação de alterações à lei visando a sua subversão através de mecanismos de coação, pressão e culpabilização das mulheres que decidem interromper uma gravidez, confirmando a sua oposição à aprovação de uma lei que garanta à mulher a decisão pela IVG.
O PSD rejeitou estas propostas, mas não deixou de convergir com CDS e CH na rejeição de todos os projectos de lei que apontavam ao alargamento dos prazos – para as 12 (PS e PCP) e 14 semanas (BE e Livre). Acresce a convergência desses partidos na rejeição do projecto do PCP visando a adopção de medidas para remover os obstáculos que impedem o direito de acesso das mulheres à IVG no SNS. O que confirma a sua opção pelo prosseguimento de retrocessos nos direitos das mulheres à saúde, à saúde sexual e reprodutiva e à aplicação da lei da IVG para, em contrapartida, fomentar o negócio privado em torno da doença, gravidez e parto.
Sendo certo que a actual lei da IVG se mantém em vigor, não é menos certo que vão prosseguir e agravar-se estas opções políticas, agora pela mão do Governo PSD/CDS, com a convergência de PS, IL e CH.
Responsabilidades e compromissos
O agendamento pelo PS terá tido como objectivo ocultar responsabilidades próprias nas limitações ao pleno cumprimento da actual lei no SNS. Os governos do PS são responsáveis pela continuada fragilização do SNS, que impediu o acesso à IVG a todas que o solicitaram até às 10 semanas. No passado recente, o PS dispôs de maioria relativa e de uma maioria absoluta, que teriam constituído oportunidades para reforçar o SNS e aprovar as medidas constantes no seu projecto.
O PCP apresentou ainda um projecto visando o alargamento dos prazos para a realização da IVG, para 12 semanas a pedido da mulher, criação de registo dos objectores de consciência e impedimento que estes participem na consulta prévia e a eliminação dos três dias de reflexão. Sabíamos que seria rejeitado pelo PSD, CDS e CH, como o foram todos os projectos do PCP que, ao longo de décadas, marcaram a sua iniciativa legislativa para assegurar o direito da mulher a uma maternidade responsável e feliz.
Merece referência a afirmação constante no projecto-lei do PS: «A aprovação da interrupção voluntária da gravidez, por opção da mulher, até às 10 semanas, foi uma conquista cruelmente tardia na nossa democracia.»ii
É um facto indesmentível. Mas o que este partido ocultou neste debate é que entre 1982 e 2006 foram desperdiçadas muitas oportunidades de aprovar uma lei de despenalização da IVG a pedido da mulher até às 12 semanas, como o PCP sempre defendeu.
Em 1998 foi aprovado um projecto da JS que previa a despenalização da IVG até às 10 semanas, que contou com os votos a favor do PCP, PEV, da larga maioria dos deputados do PS e de três deputados do PSD. O projecto do PCP que previa as 12 semanas foi rejeitado, por uma pequena margem (110 votos contra e 107 votos a favor e 9 abstenções de deputados do PS).iii O processo legislativo viria a ser interrompido pela convocação de um referendo sobre a matéria, entre PS e PSD. Na verdade, o PS aliou-se aos partidos de direita que impuseram a realização de dois referendos.
A aprovação da lei de despenalização da IVG, a 8 de Março de 2007 – condicionada à pergunta do referendo, que explicitou as 10 semanas para a IVG a pedido da mulher – contou com os votos a favor do PS, do PCP, dos Verdes e do BE e 21 deputados do PSD, tendo os restantes deputados deste partido e o CDS votado contra.iv
A luta que se impõe
A lei n.º 16/2007, de 17 de Abril constituiu uma importante vitória da prolongada luta das mulheres. Uma luta que se impõe na exigência do seu cumprimento integral no SNS, porque tal é condição necessária a garantir o direito de acesso das mulheres à IVG, contratando mais profissionais para os cuidados primários de saúde e unidades hospitalares, promovendo a coordenação entre serviços, pondo fim às interpretações restritivas da lei e às distorções nos procedimentos a adoptar pelos diversos serviços de saúde em todo o território.
O SNS tem um papel insubstituível no direito das mulheres à saúde, ao acompanhamento da gravidez e do parto, à promoção de outras importantes dimensões da sua saúde sexual e reprodutiva.
O PCP continuará a ser o aliado da luta contra os retrocessos nos direitos das mulheres, pelo cumprimento dos seus direitos, pela igualdade no trabalho, na família e na maternidade e na sociedade.