Do Panamá a Staten Island

António Santos

No domingo, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, disse que a sua administração estuda a “reapropriação” do canal do Panamá caso o governo desse país não recue nas “taxas exorbitantes” que cobra ao gigante do norte. A ameaça, que ecoa a premissa da doutrina Monroe de que a América Latina é o “pátio traseiro” dos EUA, encerra algumas pistas sobre a natureza do próximo “isolacionismo” de Trump.

A única vantagem competitiva do capitalismo norte-americano é a sua hegemonia imperial. Se Trump não pode manter a primeira abdicando da segunda, reclama um esforço permanente de “compensação da decadência”.

A ameaça de intervenção directa, o golpismo e o financiamento de “revoluções coloridas” são as formas externas de compensar a incapacidade do império se afirmar e competir no mundo – particularmente face à China – em plano horizontal, mas têm reflexo na política interna. Trump exige ao Panamá um tratamento prioritário no seu canal para entregar ao capital que o elegeu uma vantagem comercial. A mesma compensação procurada internamente com semelhante brutalidade. Jeff Bezos, dono da Amazon, não pretende apenas embaratecer os seus produtos ameaçando o Panamá, ameaça simultaneamente os trabalhadores norte-americanos.

No sábado passado, trabalhadores do centro de distribuição JFK8 da Amazon, em Staten Island, Nova Iorque, juntaram-se à greve iniciada, quinta-feira, por outros 5000 operários. A greve abrange várias instalações da Amazon em Nova Iorque, Atlanta, no sul da Califórnia, São Francisco e Illinois. Os grevistas exigem que a Amazon reconheça o Sindicato dos Trabalhadores da Amazon (ALU) e se sente à mesa para negociar um contrato coletivo que trave os planos de Bezos para aumentar a exploração. Apesar de os trabalhadores terem votado pela unicidade sindical há já dois anos, a Amazon tem recusado qualquer negociação formal.

Em 2023, a Amazon atingiu receitas globais de 574,8 mil milhões de dólares, enquanto o seu fundador, Jeff Bezos, manteve um património estimado em 200 mil milhões. Apesar deste fabuloso desempenho financeiro, um relatório do Comité do Senado dos EUA sobre Saúde revelou recentemente que a taxa de acidentes de trabalho na Amazon é 1,8 vezes superior à média do sector.

Muitos grevistas são motoristas subcontratados pelos Parceiros de Serviços de Entrega da Amazon (DSPs), que representam cerca de 84% da frota de entrega da empresa. Estes motoristas auferem salários semanais médios de 600 dólares, enquanto realizam até 200 entregas por dia em condições de trabalho extremas. Outros são trabalhadores dos armazéns, que levam para casa o salário mínimo e trabalham ao ritmo implacável dos robôs e da inteligência artificial. A subcontratação tem permitido à Amazon fragmentar a força de trabalho, dificultando a organização colectiva dos trabalhadores, mas as greves, com adesão quase total, mostram que o tempo está a mudar.

O reverso da medalha da ameaça ao Panamá é a promessa de Trump remover toda a regulação laboral que trava a automação da Amazon. A próxima administração da Casa Branca destruirá algumas das principais leis e agências federais que ainda impedem Bezos de aumentar e desregular ritmos, horários e jornadas de trabalho, despedindo trabalhadores que sofram acidentes de trabalho sem qualquer compensação. A vantagem competitiva da América de Trump é a utopia tecnológica do capital, e o inferno humano do proletariado.

 



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