Menores migrantes não acompanhados faceta brutal da política da UE

São mi­lhares os me­nores que chegam so­zi­nhos aos países que in­te­gram a União Eu­ro­peia. Vêm em busca de paz, se­gu­rança e uma vida me­lhor, que na mai­oria dos casos não en­con­tram. Foi esta fa­ceta par­ti­cu­lar­mente de­su­mana da po­lí­tica mi­gra­tória da UE que João Oli­veira foi co­nhecer me­lhor numa missão re­cente às ilhas Ca­ná­rias.

Há que ga­rantir di­reitos la­bo­rais e so­ciais, in­cluindo os di­reitos das cri­anças, como di­reitos uni­ver­sais, sem olhar à pro­ve­ni­ência de cada um

A po­lí­tica mi­gra­tória é, de entre as múl­ti­plas fa­cetas da União Eu­ro­peia, por­ven­tura uma da­quelas que mais cla­ra­mente re­vela a ver­da­deira na­tu­reza do pro­cesso de in­te­gração ca­pi­ta­lista eu­ropeu: fe­de­ra­lista, ne­o­li­beral, mi­li­ta­rista e – por mais re­tó­rica com que se tente dis­farçar o óbvio – des­pida de qual­quer di­mensão so­cial ou hu­ma­nista.

Não há, de facto, belas pa­la­vras ca­pazes de apagar ou até mesmo de re­la­ti­vizar a tra­gédia: os mi­lhares de mi­grantes mortos no Me­di­ter­râneo (que é hoje um imenso ce­mi­tério), os acam­pa­mentos e ins­ta­la­ções de “aco­lhi­mento” para onde são en­vi­ados, as redes de trá­fico hu­mano para onde muitos são em­pur­rados, a au­sência de uma efec­tiva in­te­gração nos países de aco­lhi­mento. Esta si­tu­ação, já de si dra­má­tica – e no es­sen­cial ar­re­dada das man­chetes e no­ti­ciá­rios do mundo “oci­dental” e “ci­vi­li­zado” –, é ainda agra­vada pelo facto de muitos destes mi­grantes serem cri­anças e jo­vens, tantos deles sem es­tarem se­quer acom­pa­nhados por fa­mi­li­ares adultos.

Se­gundo a or­ga­ni­zação in­ter­na­ci­onal Save the Chil­dren (Salvar as Cri­anças), o nú­mero de me­nores não acom­pa­nhados a chegar às costas da Grécia au­mentou 400 por cento em 2024, re­la­ti­va­mente ao ano pas­sado, e em Es­panha o nú­mero de cri­anças e jo­vens nesta si­tu­ação a en­trar no país de­verá atingir este ano um má­ximo his­tó­rico.

As ilhas Ca­ná­rias são um dos prin­ci­pais pontos de con­cen­tração destes jo­vens mi­grantes – vindos so­bre­tudo de África, mas também do Médio Ori­ente. Foi pre­ci­sa­mente este pro­blema que levou na pas­sada se­mana ao ar­qui­pé­lago o de­pu­tado do PCP no PE, João Oli­veira, in­te­grado numa missão do Grupo da Es­querda Uni­tária Eu­ro­peia / Es­querda Verde Nór­dica – a Es­querda no Par­la­mento Eu­ropeu. Do pro­grama cons­taram vi­sitas a cen­tros de aco­lhi­mento, reu­niões com en­ti­dades pú­blicas e en­con­tros com as­so­ci­a­ções de imi­grantes, co­lec­tivos anti-ra­cistas e pro­fis­si­o­nais que tra­ba­lham com aquelas cri­anças e jo­vens. Re­a­lizou-se ainda a mesa-re­donda “En­frentar o au­mento da xe­no­fobia: diá­logo aberto sobre a mi­gração com a so­ci­e­dade civil”, na qual in­ter­veio João Oli­veira.

Lusa

Ca­ná­rias são “prisão a céu aberto”
Nos 82 cen­tros de aco­lhi­mento de me­nores mi­grantes exis­tentes no ar­qui­pé­lago (13 dos quais para me­ninas e ra­pa­rigas) en­con­tram-se cerca de 5500 destes jo­vens, em es­paços pre­pa­rados para aco­lher menos de 2000. Esta so­bre­lo­tação leva a que es­tejam a ser im­pro­vi­sados acam­pa­mentos em vá­rias ilhas, sem quais­quer con­di­ções, e que haja já muitos me­nores mi­grantes a viver na rua. Vá­rios são também os que de­sa­pa­re­ceram.

An­tonio Mo­rales, pre­si­dente do go­verno local (ca­bildo) da Gran Ca­nária, re­co­nhece que o ar­qui­pé­lago está hoje trans­for­mado «numa prisão a céu aberto para cri­anças e jo­vens».

Nas reu­niões, en­con­tros e vi­sitas em que par­ti­cipou, João Oli­veira tomou con­tacto com a dura re­a­li­dade de tantas vidas, ainda tão curtas e já tão mas­sa­cradas – por três or­dens de ra­zões. Desde logo, a vida nos seus países de origem e os mo­tivos que os le­varam a mi­grar – a guerra, a fome, a po­breza, as per­se­gui­ções –, fa­zendo da mi­gração mais uma saída do que pro­pri­a­mente uma opção.

Du­rante o duro per­curso, são muitos os que ad­quirem car­di­o­pa­tias (já então ir­re­ver­sí­veis) e ou­tras do­enças, vá­rias as me­ninas e ra­pa­rigas su­jeitas a abusos se­xuais, muitas vezes até como “pa­ga­mento” da vi­agem, e imensos os traumas de­vidos à se­pa­ração das fa­mí­lias ou a terem as­sis­tido à morte – por vezes vi­o­lenta – de al­guns dos que com eles fa­ziam as tra­ves­sias. Um ter­ceiro pro­blema prende-se com o mo­delo de aco­lhi­mento e com as ca­rên­cias ve­ri­fi­cadas nos cen­tros, fruto do parco in­ves­ti­mento – por si só re­ve­lador de uma po­lí­tica de­su­mana.

Uma vez nos cen­tros de aco­lhi­mento, fre­quen­te­mente em ins­ta­la­ções ina­de­quadas, os jo­vens não têm apoio psi­co­ló­gico, nem pri­va­ci­dade, e são muitos os que se queixam de dis­cri­mi­na­ções em função da sua pro­ve­ni­ência. O seu acesso a cui­dados de saúde e edu­cação é também muito li­mi­tado. A falha dos me­ca­nismos de pro­tecção de me­nores nas Ca­ná­rias tem con­sequên­cias pi­ores do que nou­tras co­mu­ni­dades. Ali, os me­nores ficam su­jeitos a si­tu­a­ções de des­pro­tecção, sem-abrigo e ex­plo­ração eco­nó­mica e se­xual mais agres­sivas. O mesmo su­cede aquando da pas­sagem à mai­o­ri­dade, com a saída do sis­tema de pro­tecção de me­nores.

A tudo isto acrescem as de­ci­sões ab­surdas, como aquela que foi tes­te­mu­nhada por João Oli­veira, de dois ir­mãos, de 16 e 14 anos, que foram en­vi­ados para ilhas di­fe­rentes, so­mando mais uma se­pa­ração às suas vidas. «Há si­tu­a­ções dra­má­ticas», con­fessou o de­pu­tado co­mu­nista.

Por uma po­lí­tica hu­ma­nista
São muitos os que, nas Ca­ná­rias, pro­curam apoiar os jo­vens mi­grantes não acom­pa­nhados: or­ga­ni­za­ções in­ter­na­ci­o­nais, en­ti­dades pú­blicas lo­cais, as­so­ci­a­ções po­pu­lares e co­lec­tivos di­versos. Os meios, esses, são poucos e muitas vezes de­sa­de­quados àquelas que são as reais ne­ces­si­dades dos jo­vens mi­grantes e dos pró­prios cen­tros de aco­lhi­mento.

As pró­prias au­to­ri­dades lo­cais con­frontam-se com uma si­tu­ação di­fícil em vir­tude de ou­tras co­mu­ni­dades do Es­tado es­pa­nhol se re­cu­sarem a re­ceber os mi­grantes e de não haver apoios cor­res­pon­dentes com o au­mento do nú­mero de pes­soas para aí en­vi­adas: os mi­grantes estão a chegar a um ritmo de 220 por dia e só em 2024 mor­reram mais de 6000 pes­soas a tentar a tra­vessia.

Os go­ver­nantes lo­cais de­nun­ciam também a “ex­ter­na­li­zação” de res­pon­sa­bi­li­dades do Es­tado para en­ti­dades que «não se sabe bem o que são», e que não dão quais­quer ga­ran­tias de tra­ta­mento ade­quado aos me­nores, e re­ferem-se à pressão imensa que está co­lo­cada sobre os ser­viços pú­blicos do ar­qui­pé­lago, não só pelo ele­vado nú­mero de mi­grantes ali con­cen­trados, mas também pelos fluxos tu­rís­ticos pro­ve­ni­entes da Ale­manha ou do Reino Unido.

Na origem de todos estes pro­blemas está a po­lí­tica mi­gra­tória da União Eu­ro­peia, cen­trada em po­lí­ticas de con­tenção e ex­pulsão e de ob­tenção de mão-de-obra ba­rata e sem di­reitos. Como João Oli­veira teve opor­tu­ni­dade de ex­pressar na mesa re­donda em que par­ti­cipou, há que ga­rantir di­reitos so­ciais e la­bo­rais de forma uni­versal, não fa­zendo dis­tinção entre as pes­soas pela sua pro­ve­ni­ência. Além disso, acres­centou, im­porta as­se­gurar a in­te­gração so­cial dos mi­grantes – e por mai­oria de razão dos me­nores – e, ao mesmo tempo, com­bater o ra­cismo e a xe­no­fobia.

Tudo isto exige uma po­lí­tica mi­gra­tória hu­ma­nista e não a bar­ba­ri­dade que também nesta ma­téria marca as op­ções da União Eu­ro­peia. João Oli­veira com­pro­meteu-se a levar a si­tu­ação destes jo­vens ao Par­la­mento Eu­ropeu e a in­sistir numa po­lí­tica de imi­gração que efec­ti­va­mente acolha e in­tegre as pes­soas, pro­te­gendo-as de todas as formas de ex­plo­ração.

 



Mais artigos de: Europa

A UE afunda-nos na guerra

O presidente norte-americano Biden autorizou a utilização de mísseis americanos para ataques em profundidade no território russo, sendo que esses ataques não podem ocorrer sem o envolvimento operacional dos EUA. Essa decisão confirma que os EUA participam num confronto directo com a Federação Russa a partir do território...