O Passe Ferroviário Verde
O PCP defende a progressiva gratuitidade dos transportes públicos, por isso qualquer medida que contribua para reduzir os custos com os transportes públicos é, por princípio, saudada. Mas há três coisas que é preciso garantir para que esse caminho para a gratuitidade possa ser desenvolvido:
• adequado financiamento das empresas públicas;
• capacidade do sistema em aumentar a oferta;
• racionalidade das decisões para evitar o desperdício e a desorganização do sistema.
I – Financiamento do Passe Ferroviário Verde (PFV)
O Governo anunciou um apoio à CP de 19 milhões de euros para 2025 para suprir a diminuição de receitas provocada pela entrada em vigor do PFV.
Mas as contas do Governo estão intencionalmente erradas. Reconhecem que as receitas ocasionais quase desaparecerão mas desvalorizam os efeitos na receita do Alfa e apontam para vender 1,65 milhões de novos passes em 2025 (uma receita de 33 milhões) quando a CP não tem qualquer hipótese de absorver essa procura (estamos a falar de um número de passes igual a 10% do total de viagens realizadas no Regional, Inter-regional e Intercidades em 2023).
Este dinheiro vai faltar nas contas da CP. O PCP propôs no OE que o Governo admitisse elevar esse apoio até os 74 milhões de euros.
II – Aumento da Oferta
Os próprios números do Governo admitem que o PFV colocará as taxas de ocupação da CP nos 100%. O que não é sequer materialmente possível. Para poder de facto satisfazer o aumento da procura a CP necessitava de poder aumentar a oferta. Só que:
• Faltam trabalhadores. O próprio OE admite a existência do problema quando tem um artigo, o 35.º, que admite a contratação de aposentados para a Manutenção e para Maquinistas (pelos vistos o anterior e o actual governo nem sabem que os maquinistas têm limitações de idade para poderem conduzir comboios). Esta não é a solução: há que aumentar salários para atrair e segurar o saber fazer. Mas a CP continua a estar proibida de fazê-lo.
• Faltam comboios. As 22 automotoras para o Regional já foram adiadas para 2026 pela multinacional que as está a fazer em Espanha. O concurso dos 117 comboios continua enrolado nos tribunais sem que o Governo decrete o interesse público da adjudicação urgente para vencer as providências cautelares, e os comboios para a Alta Velocidade tardam em ser encomendados.
III – Um modelo comercial coerente
A CP passou a ser a única empresa do mundo onde é mais barato comprar um passe mensal que um bilhete. Que sentido faz vender bilhetes ida e volta a 25, 35, 50 euros quando se tem um passe a 20? Que sentido faz permitir marcações gratuitas de bilhetes sem qualquer penalização se não forem utilizados? Que sentido faz permitir viagens gratuitas Intercidades Vila Franca-Lisboa, ou Gaia-Porto, que deviam ser feitas na oferta urbana, e que vão impedir a venda de um bilhete para o percurso completo? Que sentido faz que 95% da procura só se materialize nas 24 horas antes da viagem, quando todas as companhias de transporte o que procuram é vender o mais antecipadamente possível para poder ajustar a oferta? A forma como o PFV está a ser implementado prova que não se ouviu quem sabe – a CP e os seus trabalhadores. Se não se fizerem rapidamente correções, o desperdício de recursos e a insatisfação explodirão.
Por fim, o sistema de transportes público tem que funcionar em rede, ser intermodal, interligar todos os modos de transporte e toda a oferta. O PFV não é intermodal, nem tem em conta essa necessidade. Principalmente para os movimentos pendulares, há muito que se exige que as diferentes regiões (tal como fizeram a AM Lisboa e a AM Porto) avancem para plena intermodalidade dos passes regionais, nomeadamente contratualizando a inclusão neles da CP, e que para os movimentos pendulares entre duas regiões sejam criados passes interregionais intermodais. O PCP apresentou propostas concretas no âmbito do OE.
Concluindo
O PFV tal como está desenhado vai ter dois efeitos: vai reduzir os custos do transporte público para um conjunto de utentes, o que é positivo; mas vai criar um défice à CP, lançar a empresa no caos, provocando o choque entre a oferta e a procura, com a CP completamente amarrada de pés e mãos pelo governo. Não temos qualquer dúvida que o Governo tem plena consciência que está a sabotar a CP para provocar o problema para o qual tem há muito a solução: privatizar o sector.