Um Orçamento que leva o País de mal a pior

Após dois dias de debate que culminaram quinta-feira, 31, com a aprovação na generalidade da proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2025, o processo legislativo prossegue desde o início da semana com a apreciação na especialidade.

O País não está condenado às injustiças e desigualdades

Lusa

A favor do documento votaram os partidos que apoiam o Governo, PSD e CDS, o PS absteve-se, votando contra os demais partidos da oposição, PCP, BE, IL, PAN, Chega e Il, por razões entre si bem distintas. Viabilizada foi igualmente, também na generalidade, a proposta de lei que aprova as Grandes Opções do Plano para 2024-2028, com os votos a favor de PSD e CDS, a abstenção de PS e IL, e os votos contra das restantes bancadas.

Para o PCP - que nas suas recentes Jornadas Parlamentares anunciara já o conteúdo das suas primeiras propostas de alteração ao OE, incluindo a que visa o reforço do Apoio à Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinianos no Médio Oriente (UNRWA), entretanto já entregues anteontem -, este é um orçamento gizado para continuar a beneficiar aqueles que têm ganho com a política de direita (grupos económicos e o capital monopolista), que agrava as desigualdades, injustiças e discriminações, aprofunda a injustiça fiscal, não investe nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado, em suma, que não responde aos problemas do País.

Os deputados comunistas demonstraram-no nas suas intervenções, pondo simultaneamente a nu a verdadeira natureza das opções do Governo e de como é falso que este seja um «orçamento para resolver os problemas das pessoas», «um bom OE para Portugal», como afirmou o líder da bancada do PSD, Hugo Soares.

A tónica tinha sido dada logo a abrir o debate pelo primeiro-ministro ao afirmar que «o foco do Governo é fazer, não é durar», que o seu objectivo é «resolver o problemas das pessoas».

«O que vai para os lucros dos grupos económicos falta nos salários, nas pensões, nos hospitais, nos centros de saúde, nas escolas, nas creches, nos lares, nas esquadras da PSP e nos postos da GNR, nos bombeiros, nos tribunais, nos transportes, na ferrovia, nas estradas», contrapôs a líder parlamentar do PCP Paula Santos, num desmentido às proclamadas intenções do chefe do Governo, que foi ao mesmo tempo um retrato fiel dos desequilíbrios e prejuízos gerados pelas opções da política de direita.

Política velha
Realidade a que o PS fechou os olhos, decidindo viabilizar o OE, em nome de uma alegada «responsabilidade com o País».

«Com esta política e a viabilização deste Orçamento podem ter garantido a estabilidade da política velha ao serviço dos grupos económicos, mas carregam às costas a instabilidade da vida de todos os dias de milhões que cá vivem e trabalham», declarou já na fase de encerramento do debate o Secretário-Geral do PCP.

Uns parágrafos antes, Paulo Raimundo precisara com números e factos concretos o sentido profundo da sua afirmação ao lembrar que num país mais justo «não é possível que as empresas do PSI-20 tenham mais de 32 milhões de euros de lucros por dia, enquanto milhões de trabalhadores são condenados aos baixos salários. Esses mesmos grupos económicos que em 2023 pagaram uma taxa efectiva de IRC de 18,7% e aos quais PSD, CDS, IL, Chega, mas também o PS, querem baixar ainda mais».

Problemas agravados
Foi com esta realidade que os deputados do PCP confrontaram o Governo, acusando-o, nomeadamente, de se manter submisso aos ditames da União Europeia, de talhar um OE que esquece quase três milhões de trabalhadores que recebem de salário menos de mil euros mensais, que não responde ao milhão de reformados que recebe menos de 510 euros por mês, que é contra o direito à saúde, à educação, à habitação, que deixa degradar os serviços públicos, mantém o Interior ao abandono, prossegue a opção em favor dos interesses dos poderosos com privatizações e o ataque a empresas públicas.

A luta pela alternativa
Um País mais justo e soberano é no entanto possível e foi essa mensagem de confiança que Paulo Raimundo quis deixar ao afirmar que não estamos condenados às «injustiças e desigualdades», que «é possível e urgente uma distribuição mais justa da riqueza».

O que implica, sustentou, «uma outra política e outro orçamento que responda aos reais problemas dos trabalhadores, do povo e da juventude».

Essa é a exigência que está colocada: por justiça, direitos, salários e pensões, acesso à saúde, à educação e à habitação, e cujo desfecho será determinado pela luta. «Uma luta que aí está, que se vai intensificar», avisou o líder comunista, que a saudou, asseverando que o PCP «cá está e estará a combater a exploração e as injustiças», a «lutar pela alternativa que se impõe para um País mais justo, desenvolvido e soberano.

 

 

Pelo aumento dos salários e pensões

Questão central colocada de forma persistente pelo PCP ao longo do debate foi o modelo de baixos salários e a necessidade de o combater por via designadamente do seu aumento. Uma exigência que é para os comunistas uma prioridade e que sempre esteve inscrita na sua acção.

A própria ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social reconheceu que há três milhões de trabalhadores com salários baixos, em resposta ao deputado Alfredo Maia, que suscitara o tema trazendo a lume a proposta do PCP de aumento do salário mínimo nacional para mil euros imediatos e a actualização geral dos salários em 15% e em pelo em pelo menos 150 euros.

Isto porque, frisou o deputado comunista mostrando quanto a proposta da sua bancada é justa, possível e necessária, três milhões – 62% - dos trabalhadores auferem salários abaixo dos mil euros, sendo que destes 18% ganham apenas o salário mínimo e perto de 20% estão em risco de pobreza.

Ora sobre esta realidade concreta a ministra nada disse, assim como passou ao lado da proposta do PCP, ficando-se pelo reconhecimento de que os salários são baixos e pela intenção de que pretende alterar o quadro.

O problema da precariedade também não foi esquecido – atinge 16% dos trabalhadores e chega aos 54% entre os jovens até aos 25 anos -, como não o foi o drama das baixas reformas e pensões – mais de 70 % dos reformados e pensionistas recebem menos de 500 euros -, com Alfredo Maia a insistir na proposta do PCP de actualização em Janeiro (5% para todas as pensões, com um mínimo garantido de 70 euros) e a criticar o Governo por se limitar à actualização regular que está na lei e à promessa de eventual suplemento lá para diante.

 

Problemas a somar na Agricultura

Alfredo Maia acusou o Governo de nada ter feito para travar a epidemia de língua azul e de ter abandonado os produtores pecuários à sua sorte. Este caso é, de resto, na opinião do deputado do PCP, um «exemplo da governação que contraria a propaganda».

«Esta é a vossa eficácia, aqui os números não mentem, infelizmente os cadáveres dos animais impedem que mais uma vez manipulem a realidade», declarara antes Alfredo Maia, crítico ainda quanto ao facto de no OE nada, «pelo menos digno de nota», estar presente quanto à agricultura familiar. Como criticado foi o corte no apoio ao investimento nas pequenas explorações e até na floresta, em resultado de uma reforma da PEPAC.

Do lado da bancada comunista fez-se também ouvir a exigência de apoios extraordinários aos produtores de uva e, quanto aos baldios, foi dada nota de que os cortes nas ajudas da PAC (30 milhões) já se fizeram sentir «em milhares de compartes que não receberam o que deveriam ter recebido».

 

Nada para melhor

Trazida à colação por António Filipe foi a frase que ficou célebre de Luís Montenegro, à data líder parlamentar do PSD, segundo a qual «os portugueses estavam pior, mas o País estava melhor».

«Passaram dez anos e o senhor primeiro-ministro está na mesma», constatou o deputado comunista, não acreditando que o País e os portugueses possam vir a estar melhor com este OE, como o governante procurou fazer crer.

«Será que, com este OE, vamos ter mais profissionais no SNS, mais professores e auxiliares na Escola Pública, mais funcionários judiciais nos tribunais, ter os polícias que são necessários para garantir um policiamento de proximidade e garantir a tranquilidade e segurança das populações?», inquiriu António Filipe, convicto de que em nenhuma área tal ocorrerá.

E não iremos ter esses profissionais nem melhores serviços públicos, fundamentou, não só pelas razões anunciadas pelo próprio primeiro-ministro – a uma entrada tem de corresponder uma saída-, como pela circunstância de ascarreiras continuarem estagnadas e desvalorizadas, não haver a devida valorização salarial.

«É também por isso que este Orçamento é mau, o País não vai ficar melhor e os portugueses vão ficar pior», concluiu António Filipe.

 

PS convive bem com o Orçamento

Ao longo do debate foi notório o esforço do PS para se diferenciar do PSD, dizendo, por exemplo, como fez o seu Secretário-Geral, que «este não é nem nunca será o orçamento do PS».

A deputada Alexandra Leitão, aliás, não poupou nas críticas ao Orçamento do Estado (OE), ao ponto de António Filipe, em pergunta que lhe dirigiu, ter afirmado que subscrevia «praticamente na íntegra as críticas que da tribuna a líder da bancada do PS acabara de fazer ao documento.

Considerou mesmo que a crítica fora «muito contundente», nomeadamente ao pormenorizar a «falta de transparência, não resolução dos problemas nacionais, transferência de verbas para os privados nas áreas da saúde, da educação, ser um cheque em branco em matéria de legislação laboral, de salários, privatizações».

Perante um orçamento tão mau como o que acabara de ser descrito, caberia perguntar se «não merecia um voto contra». Foi o que fez António Filipe, observando que, face à crítica feita pelo PS ao OE, para de seguida o viabilizar, uma conclusão tinha de ser tirada: «que o PS vai conviver com este orçamento com a mesma tranquilidade com que o PSD conviveu, quase um ano», com o OE 2024 do PS, ao ponto de «nem sequer sentir necessidade de propor um orçamento rectificativo».

 

Falsidade e dogma

No entender do PCP o discurso Governo em matéria de IRC está suportado numa falsidade e num dogma. Falsidade porque assenta na ideia de que todas as empresas são beneficiadas, incluindo as pequenas e médias empresas. Ora, segundo António Filipe, «isso não é verdade», uma vez que só «é beneficiado com a baixa de IRC quem tem lucros para pagar o IRC, quem já não paga não o é».

Já sobre o dogma, esclareceu que o mesmo reside na ideia, sem qualquer confirmação, bem pelo contrário, de que a «baixa de IRC das grandes empresas aumenta o investimento».

Sucede que «não foi assim no passado com a descida do IRC, não será assim agora», sublinhou o parlamentar do PCP, antes de desmontar uma segunda componente do dogma: a ideia de que essa baixa do IRC às muito grandes empresas lhes permitirá um dia pagar melhores salários.

Ora, «se já lucram muito, porque é que não pagam já melhores salários?», questionou.

 

Anémico investimento público

O insuficiente investimento público é outra marca forte deste OE. O facto não é novo e, como foi realçado pela bancada comunista, há largos anos que está abaixo da média dos países da União Europeia.

Nem sequer cobre o «desgaste que as actuais infra-estruturas e equipamento sofrem», alertou Paula Santos, lembrando que o investimento público é «um motor para a dinamização da economia, para a criação de riqueza».

«É isso que faz o País avançar e não o excedente orçamental para a acelerada redução da dívida, à custa do investimento necessário nos hospitais, nos centros de saúde, nas escolas, nas creches, nos lares, na ferrovia ou nas estradas», salientou a líder parlamentar do PCP, defendendo, em consequência, que os esforços do Governo, em vez de serem dirigidos para reduzir o IRC e assim favorecer sobretudo os grupos económicos, deveriam sim ser canalizados para aumentar o investimento público, «incluindo através do OE».

Alvo da crítica do PCP foi ainda a baixa execução de investimento público face ao orçamentado – prática em que a anterior maioria absoluta do PS foi também exímia -, com Paula Santos a realçar que, dos 9 mil milhões previstos para 2024, apenas 4 milhões foram executados nos primeiros oito meses do ano.

 

Injustiça fiscal

Em Espanha, sem subsidiação, a bilha de gás custa metade do que em Portugal. Para esta disparidade chamou a atenção Alfredo Maia, criticando o facto de o Governo não a querer alterar através da redução do valor do IVA, como o PCP reiteradamente tem proposto.

Confrontada com a questão, a ministra do Ambiente e Energia acabou por admitir que este é «um problema para as famílias», mas nada disse sobre a redução do imposto, limitando-se a adiantar que irá «reforçar» o programa já existente de «apoio ao gás engarrafado». Como também não se pronunciou, apesar de desafiada a fazê-lo, sobre a proposta do PCP de fixação de preços máximos para enfrentar o aumento do custo de vida.

Desmascarada foi ainda a falácia propalada pelo Governo segundo a qual este OE não aumenta nenhum imposto, ideia que a ministra repetiu, quando a verdade é que a taxa de carbono aumenta, como afirmou Alfredo Maia.



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