Paz, soberania e independência na luta contra o imperialismo

A ofensiva económica, política, mediática e militar do imperialismo visa defender a todo o custo a sua hegemonia

I

Afirmam as Teses – Projecto de Resolução Política do XXII Congresso do PCP que a situação internacional, instável e incerta, conheceu nos últimos anos «perigosos desenvolvimentos, nomeadamente com a escalada de confrontação e guerra do imperialismo, a promoção e o avanço de concepções, projectos e forças reaccionárias e fascistas, o exacerbar das tensões internacionais e as crescentes ameaças de um conflito mundial de catastróficas proporções» (1.0.). A justeza desta constatação está à vista e são múltiplos os exemplos que a comprovam.

No Médio Oriente e no Leste da Europa, desde logo, mas também nas bem menos mediatizadas regiões da Ásia-Pacífico, América Latina e África, trava-se um intenso embate – e não é, como nos dizem, entre “democracia” e “autocracia” ou (na versão de Josep Borrell) entre o “jardim” e a “selva”. O verdadeiro confronto é outro: de um lado, a ofensiva do imperialismo norte-americano e seus aliados (“subordinados” será um termo mais apropriado) da NATO e da União Europeia, que tenta a todo o custo manter a hegemonia alcançada com as derrotas do socialismo no Leste da Europa, no final do século XX; do outro, países e povos que procuram – com caminhos muito diversificados – seguir vias soberanas e de desenvolvimento, livres da alçada do imperialismo e das suas imposições.

Para compreender o tempo em que vivemos é preciso recuar 30 anos, até ao início da década de 90 do século XX. O desaparecimento da União Soviética e do campo socialista europeu provocou um súbito desequilíbrio de forças à escala mundial, em favor do imperialismo. Os EUA, doravante a potência dominante, não tardou em impor as suas regras (sim, as “regras” de que tanto se fala por estes dias são estas) a todo o mundo e por todos os meios – económicos, diplomáticos, mas também militares –, visando controlar fontes de energia, matérias-primas e mercados, e garantir que nenhum outro país poderia algum dia vir a desafiar a sua hegemonia planetária.

Com a globalização capitalista vieram o aumento da exploração, a fragilização dos direitos laborais e sociais conquistados no pós-Segunda Guerra Mundial; o agravamento das desigualdades e da pobreza; as privatizações em massa; a financeirização das economias; e uma ofensiva recolonizadora contra a soberania dos países e os direitos dos povos: as imposições do FMI e do Banco Mundial; os tratados comerciais desiguais; as guerras contra a Jugoslávia, o Afeganistão e o Iraque; o alargamento da NATO e o cerco militar à Federação Russa; a militarização do Pacífico, visando a China – foram e são instrumentos desta hegemonia, imposta tanto a “aliados“ como a recalcitrantes.

II

O mundo move-se. A frase (dita assim ou de outro modo), atribuída a Galileu no seu sentido mais literal, é comprovada pela dialéctica da vida social: os prognósticos do Grande Século Americano e do Fim da História foram manifestamente exagerados. Enredado na crise estrutural do capitalismo, vítima das suas próprias contradições e confrontado com uma crescente resistência, o imperialismo vê hoje ameaçada a sua hegemonia.

No ponto 1.3.1. das Teses afirma-se: «Prossegue o desenvolvimento de um amplo processo de rearrumação de forças no plano mundial, tendo como traços fundamentais o declínio relativo dos EUA e restantes potências imperialistas no G7 e os avanços económicos, sociais e científico-técnicos alcançados pela China, a sua afirmação no plano internacional, com o importante significado e as amplas repercussões que comporta.» Acrescenta-se em seguida, como elementos desse processo, o crescente peso económico e político de países em desenvolvimento, o surgimento de espaços de cooperação, integração e convergência não subjugados ao imperialismo (BRICS, OCX e ALBA-TPC, G77+China, etc.), a evolução em vários Estados que se procuram libertar da dependência face às potências imperialistas, o crescente questionamento do dólar como moeda de reserva e troca internacional.

É precisamente este processo que o imperialismo pretende travar a todo o custo, recorrendo para tal a todos os instrumentos de que dispõe – políticos, económicos, mediáticos e, claro, militares: assim se explicam todas as pressões, sanções e bloqueios contra Estados; a política de confrontação e guerra, que tem no Leste da Europa e no Médio Oriente expressões particularmente dramáticas, mas não únicas; a acentuada corrida aos armamentos; a “guerra comercial” contra a China; a criação de blocos e articulações militares na região Ásia-Pacífico, como o AUKUS (Austrália, Reino Unido e EUA) ou o Quad (Índia, Austrália, Japão e EUA); as tentativas permanentes de instrumentalização ou ataque à Organização das Nações Unidas; o desrespeito constante pelo direito internacional, substituído por uma dita “ordem mundial baseada em regras” – as suas.

A ofensiva imperialista, afirma-se ainda nas Teses (1.2.5.), «que conheceu perigosos e rápidos desenvolvimentos, colocando em perigo toda a Humanidade, é ela própria expressão da natureza do sistema capitalista» – caracterizada já anteriormente (1.1.1.) como «exploradora, opressora, agressiva e predadora». Paradoxalmente, ou talvez não, esta ofensiva não representa um sinal de força e estabilidade do imperialismo, antes pelo contrário.

III

Nas Teses em debate (1.4.1.) reafirma-se uma asserção comprovada pela prática: de que existem simultaneamente «sérios perigos decorrentes da ofensiva exploradora e agressiva do imperialismo» e «potencialidades para o desenvolvimento da luta por transformações progressistas e revolucionárias».

Se acerca dos perigos, muito do essencial foi sublinhado, centremo-nos nas potencialidades, desde logo as que decorrem do próprio processo de rearrumação de forças que, acrescenta-se, «dependendo da sua evolução, poderá contribuir para a criação de melhores condições para o desenvolvimento da luta dos trabalhadores e dos povos», referem as Teses (1.3.3.).

De facto, a História mostra que foi após a Revolução de Outubro, e sobretudo após a vitória sobre o nazi-fascismo na Segunda Guerra Mundial, que o mundo conheceu o seu mais exuberante período libertador e emancipador: ocorreram revoluções democráticas e socialistas, o colonialismo ruiu, direitos fundamentais foram alcançados. O enfraquecimento da hegemonia imperialista, que hoje se verifica e que este procura contrariar, alarga objectivamente o campo para a luta dos trabalhadores e dos povos: com que alcance, será a luta a determinar.

A questão da paz é hoje, talvez mais do que noutros momentos, uma luta de importância central – é, afirma-se, «uma luta pela soberania, pela democracia, pelo futuro» (1.2.4.). Desde logo pelos perigos que a estratégia de confrontação e guerra acarreta, e que urge travar. Mas também pelo que pode permitir de elevação da consciência social e política das massas. A acção do imperialismo é hoje mais evidente, tão perigosamente arrogante até, em alguns momentos: no prolongamento e agravamento da guerra no Leste da Europa, com a constante (e insana) escalada armamentista e a recusa de negociações; no genocídio cometido por Israel na Palestina e no alastramento da guerra a outros países do Médio Oriente, ameaçando incendiar toda a região; nas evidentes responsabilidades que os EUA, a NATO e a UE têm nestes como noutros conflitos.

Mas não é tudo. A política de confrontação e guerra não afecta apenas os povos directamente atingidos pelas agressões do imperialismo: o desvio de avultados recursos dos Estados para armamento e tropas, o aumento do custo de vida, o difusão do militarismo e dos discursos de ódio, a censura, a limitação das liberdades e o ataque aos direitos democráticos acompanham sempre a marcha para a guerra. Como há muito demonstraram Marx, Engels e Lénine, a luta pela paz e pelo desarmamento é indissociável da luta de classes, pois a guerra é intrínseca ao sistema capitalista.

E como o imperialismo encerra em si várias contradições – entre diferentes potências imperialistas; entre potências imperialistas e países dependentes ou colonizados; entre os interesses do capital e do trabalho –, lutas diversas convergem entre si: pela paz; por salários e condições de vida; pelos direitos e a soberania dos povos; por uma nova ordem internacional justa e de paz, de Estados soberanos e iguais em direitos, baseada nos princípios da Carta das Nações Unidas.

IV

É tarefa dos comunistas, em cooperação com outras forças patrióticas, progressistas e revolucionárias, levar por diante estas lutas, antes de mais no seu próprio país, e convergi-las, desenvolvendo a unidade de acção contra o inimigo comum, numa ampla frente anti-imperialista capaz de travar os ímpetos agressivos do imperialismo, fazê-lo recuar e possibilitar a abertura de caminhos de emancipação.

Este texto é publicado no âmbito do contributo para o debate do documento «Teses – Projecto de Resolução Política», aprovado pelo Comité Central para discussão preparatória do XXII Congresso em todo o Partido





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