Amílcar Cabral vive em cada luta contra a injustiça e a desigualdade

O PCP assinalou, dia 11, o centenário do nascimento de Amílcar Cabral com uma sessão evocativa onde houve música, poesia, muita solidariedade e determinação de sobra para prosseguir a luta pela emancipação dos povos africanos e de todos quantos aspiram a um mundo mais justo e solidário.

O legado de Amílcar Cabral projecta os caminhos da verdadeira independência

«Cabral vive em cada luta contra a injustiça, em cada luta contra a desigualdade, em cada luta pelos direitos e anseios dos povos, Cabral vive e continua a abrir as portas a um futuro mais promissor para os povos», afirmou o Secretário-Geral do PCP a terminar a sua intervenção na sessão evocativa, realizada na véspera de se cumprir um século sobre o nascimento do destacado revolucionário e combatente anticolonialista.

Com esta afirmação, o dirigente comunista distanciava-se simultaneamente dos que procuram hoje apagar o papel e o legado de Amílcar Cabral e dos que, evocando-o, pretendem arrumá-lo numa prateleira da História, como se o seu pensamento e a sua acção não fossem uma importante fonte de inspiração para as lutas libertadoras do presente e do futuro.

Paulo Raimundo dedicou algum tempo da sua intervenção precisamente a esta questão, lembrando a utilidade de retirar experiências e ensinamentos do passado para «essa luta que continua pelo supremo objectivo da libertação de todas as formas de exploração e opressão». Luta essa tão mais necessária quando está em curso uma «poderosa ofensiva ideológica das classes dominantes do “mundo ocidental”» destinada a fazer crer que não há alternativa ao domínio do capitalismo e do imperialismo. Porém, e é precisamente a experiência que o mostra, aqueles «que se apresentavam e pareciam dominadores eternos acabaram derrotados».

Se é verdade que, hoje, os «poderes colonialistas e imperialistas pretendem recuperar posições e prosseguir o domínio e a exploração das imensas riquezas do continente africano, desde logo a partir do sistema de trocas desiguais, imposições do FMI, garrote da dívida, bases militares e outras formas de ingerência», não o é menos que os povos africanos «ousam afirmar e continuar o seu caminho soberano». O que, acrescentou, é um sinal de esperança que dá corpo aos «ideais de soberania, progresso e justiça social pelos quais Amílcar Cabral deu a vida».

Duas lutas convergentes
Numa sessão em que estiveram presentes representantes diplomáticos de Angola, Cabo Verde, República Popular da China, Cuba, Moçambique e Timor-Leste, e delegações do MPLA, FRELIMO, PAIGC e PAICV, Paulo Raimundo recordou o carácter simultaneamente patriótico e internacionalista de Amílcar Cabral: lutando pela libertação da Guiné e Cabo Verde), não deixou de cooperar com os restantes movimentos de libertação das colónias portuguesas e com o PCP.

Como lembrou o Secretário-Geral do Partido, a luta antifascista em Portugal foi fundamental para apoiar e impulsionar a luta anticolonial em África, do mesmo modo que esta deu também um «contributo importantíssimo para o desenvolvimento da luta contra o regime fascista». Ambas convergiriam na Revolução de Abril.

Não confundindo nunca a natureza do combate que travava, que não era étnico nem racial, Amílcar Cabral garantia que a luta do PAIGC não era «contra os portugueses», mas «contra o colonialismo português». E foi mais longe: «Consideramos a luta do povo português como a nossa própria luta.» A luta emancipadora e libertadora de Amílcar Cabral nunca se transformou em «nacionalismo estreito e racial», valorizou o dirigente comunista, alertando para os que hoje procuram acentuar clivagens e divisões desta natureza.

Memória e legado
Apresentada por Seyne Torres, do Comité Central, a sessão evocativa do centenário de Amílcar Cabral, que decorreu sob o lema «Um legado histórico para a luta que continua», fez transbordar o salão da Casa do Alentejo, em Lisboa. A juventude marcou forte presença, assim como membros das comunidades africanas dos arredores de Lisboa, mobilizados por múltiplas associações.

Representantes do PAIGC (Guiné-Bissau) e do PAICV (Cabo Verde) foram chamados a intervir, reflectindo sobre o legado de Amílcar Cabral e os desafios hoje colocados aos seus países. Na Guiné-Bissau, disse Aldonça Ramos, vice-presidente em Portugal do PAIGC, o legado de Amílcar Cabral é ameaçado pelo governo do presidente Umaro Embaló, que impõe um retrocesso «gritante, sufocante», no país. Comemorar o centenário de Amílcar Cabral é, aí, «perigoso», denunciou. Também Daniel Pina, primeiro secretário em Portugal do PAICV, contou como o centenário foi desvalorizado em Cabo Verde por uma maioria parlamentar que deseja ver esquecido o legado do dirigente revolucionário.

Ambos lembraram os «dois programas» apontados por Amílcar Cabral: um primeiro, mais imediato (e mais fácil), para a libertação nacional da Guiné-Bissau e de Cabo Verde; o segundo, bem mais complexo, para a efectiva emancipação, para acabar com a pobreza, o analfabetismo, a dependência. Esta é uma luta que continua, concordaram.

O cantor e compositor cabo-verdiano Rolando Semedo interpretou canções que remetem para a luta libertadora dos povos da Guiné-Bissau e Cabo Verde, desde logo poemas musicados do próprio Amílcar Cabral. Para a célebre canção do grupo Os Tubarões, Cabral ca mori (Cabral não morreu), chamou as cantoras Teté Alhinho e Nancy Vieira, que ali se encontravam para homenagear o líder revolucionário. A última, aliás, esteve dias antes na Festa do Avante!, para um extraordinário espectáculo. O actor Júlio Mesquita partilhou com os presentes poemas e outros textos de Amílcar Cabral, plenos de sensibilidade humana e política.

O programa de comemorações do PCP iniciou-se ainda em 2023, teve forte expressão na Festa do Avante! e vai continuar com diversas iniciativas, desde logo a partir da comunidade guineense e cabo-verdiana em vários locais.

 

A luta era contra a opressão, contra o colonialismo. Não era contra o povo português. (…) Sempre senti que não era uma luta entre os dois povos. Sempre fomos irmão e continuaremos a ser irmãos para honrar Amílcar Cabral.” Aldonça Ramos, do PAIGC

 

Amílcar Cabral legou-nos um programa maior, que é a libertação dos povos da Guiné-Bissau e de Cabo Verde da opressão, da fome, da miséria, da ignorância, das discriminações.” Daniel Pina, do PAICV

 

A palavra a Amílcar Cabral

Eu jurei a mim mesmo que tenho que dar toda a minha vida, toda a minha energia, toda a minha coragem, toda a capacidade que posso ter como homem, até ao dia em que morrer, ao serviço do meu povo, na Guiné e Cabo Verde. Ao serviço da causa da humanidade, para dar a minha contribuição, na medida do possível, para a vida do homem se tornar melhor no mundo. Este é que é o meu trabalho.

Estamos a provar que povos como o nosso, economicamente atrasados, vivendo por vezes no mato quase nus (…), são capazes, à custa dos seus sacrifícios e dos seus esforços, de bater um inimigo não só mais avançado sob o ponto de vista técnico mas apoiado pelas forças poderosas dos imperialistas no mundo.

Nós, da CONCP [Conferência das Organizações Nacionalistas das Colónias Portuguesas, cuja segunda edição se realizou em 1965] queremos (…) que nunca mais os nossos povos sejam explorados, não só pelos imperialistas, não só pelos europeus, não só pelas pessoas de pele branca, porque não confundimos a exploração ou os factores de exploração com a cor da pele dos homens; não queremos mais a exploração no nosso país, mesmo feita por negros”.

Amílcar Cabral citado por Paulo Raimundo

Para o nosso povo, que vai liquidar completamente o colonialismo português, o Partido Comunista Português é um aliado e, até agora, o único depositário e intérprete da vontade do povo português de viver na amizade e na colaboração com todos os povos do Mundo na base de igualdade de direitos e deveres.”

Mensagem de Amílcar Cabral ao PCP, por ocasião do seu 40.º aniversário, em Março de 1961, publicada no Avante! clandestino, lida pelo actor por Júlio Mesquita

Se lutamos pelo nosso povo foi depois de termos começado a lutar pelo povo português. Isso significa que nos identificamos inteiramente com ele na sua luta pela liberdade. Irei mais longe, dizendo que foi em Portugal onde aprendi a lutar pela liberdade!

Por isso mesmo, acho que devemos guardar essa experiência de carácter histórico de uma luta comum e reforçá-la cada dia. Mas para isso é fundamental que enquanto a luta se desenvolve na nossa terra, a consciência do povo português, que de maneira alguma é pequena, corresponda à sua responsabilidade histórica.

Mensagem de Amílcar Cabral ao povo de Portugal transmitida pela rádio Voz da Liberdade, a 2 de Julho de 1966, lida pelo actor Júlio Mesquita

Quero-te quando contemplo o nosso mundo,/ um mundo de misérias,/ de dor,/ e de ilusões ...// ... e penso, e creio e tenho/ a máxima Certeza/ de que o romper da aurora/ do “dia para todos”/ não tarda... e vem já perto...// ... E o mundo de misérias/ será um mundo de Homens…// Eu quero-te! Eu quero-te! / Como o dia de amanhã!...

Poema de Amílcar Cabral, dito pelo actor Júlio Mesquita


 



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