Nos 25 anos do referendo em Timor-Leste

Evocar a coragem e a determinação de um povo

A invasão indonésia de Timor-Leste teve o aval dos EUA

Nenhum povo alcança a sua emancipação num acto súbito e o povo de Timor-Leste não foi excepção. Mas isto não nega que haja momentos particularmente marcantes de uma luta que é sempre prolongada e dura – os timorenses que o digam como foi a sua…

O referendo de 30 de Agosto de 1999, sobre a independência de Timor-Leste (ocupado durante mais de duas décadas pela Indonésia) é disto exemplo maior: não foi o início nem o fim da luta do povo timorense pela sua soberania e independência, mas constituiu inequivocamente um marco histórico dessa caminhada, que teve na criação do Estado de Timor-Leste, a 20 de Maio de 2002, um ponto culminante.

A possibilidade de realização do referendo não foi uma dádiva das autoridades indonésias, antes o resultado de uma corajosa e permanente luta do povo timorense e da sua organização de vanguarda, a Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (FRETILIN), e da crescente solidariedade internacional que marcou praticamente toda a década de 90. Chamado a votar, sob forte coação e intimidação, o povo timorense não deixou os seus destinos em mãos alheias: a taxa de participação foi de 98,6 por cento e a independência venceu por mais de 78 por cento.

Mas a violência não cessou. Conhecidos os resultados, as milícias pró-indonésias, juntamente com as forças ocupantes, perpetraram uma série de ataques contra a população, autoridades religiosas, observadores internacionais, jornalistas e as próprias forças das Nações Unidas. Para além dos muitos mortos, milhares de timorenses foram obrigados a abandonar as suas casas, muitas delas queimadas.

Uma e outra vez, foi preciso resistir e lutar por tempos melhores.

A ocupação e a «mão» norte-americana
A independência conquistada em 2002 pôs fim à ocupação indonésia do território, iniciada em Dezembro de 1975 e impiedosamente prolongada durante mais de um quarto de século. Na sequência da Revolução de Abril e do processo de descolonizaçãoentão iniciado, as forças patrióticas timorenses declaram unilateralmente a independência a 28 de Novembro de 1975, com uma perspectiva abertamente progressista e anti-imperialista.

Logo no início de Dezembro, a Indonésia ocupou Timor-Leste, não sem antes solicitar o aval norte-americano, concedido por Henry Kissinger (Secretário de Estado dos EUA nas administrações dos presidentes Richard Nixon e Gerald Ford). A ocupação e o terror que ela provocou têm, assim, responsabilidades partilhadas.

A Indonésia era, nessa altura, um fiel aliado dos EUA. O regime militar, liderado pelo general Suharto, impusera-se anos antes contrariando os esforços emancipadores do «pai» da independência indonésia e organizador da histórica Conferência Afro-Asiática de Bandung, em 1955 (que abriria caminho ao Movimento dos Não-Alinhados), o presidente Sukarno, que governava apoiado numa grande frente nacional que incluía o Partido Comunista Indonésio, à época um dos maiores do mundo.

O caminho dos militares até ao poder fez-se de conspirações, golpes, muito sangue e do apoio militar e político norte-americano. Os assassinatos em massa de mais de meio milhão de pessoas na Indonésia – comunistas, activistas sindicais, líderes indígenas e dirigentes do movimento das mulheres – teve a «inspiração» e o apoio dos EUA, onde a generalidade dos militares indonésios tinha recebido instrução: o «método Jacarta», bem documentado no livro com o mesmo nome do jornalista norte-americano Vincent Bevins, foi depois replicado em diversos países, nomeadamente na América Latina. Violência semelhante recaiu sobre o povo timorense sob ocupação indonésia.

Resistência e solidariedade
Confrontadas desde o início com um inimigo incomensuravelmente mais poderoso, e apoiado pela principal potência imperialista, as forças patrióticas timorenses nunca deixaram de resistir e de se bater pela independência. A FRETILIN e o seu braço armado, as Forças Armadas para a Libertação Nacional de Timor-Leste, as FALINTIL, desferindo rudes golpes nas forças ocupantes, mantiveram acesa a chama da luta e chamaram a atenção do mundo para a dramática situação em que se encontrava o seu povo.

Em 1988, na tribuna do XII Congresso do PCP, a FRETILIN denunciou o «genocídio físico e cultural do povo maubere» perpetrado pelas forças indonésias. Mas o eco da denúncia e a consequente solidariedade em Portugal não foi, então, protagonizada muito para lá dos comunistas e do movimento da paz. Nesses anos de ocupação, em que a JCP afixava cartazes e autocolantes garantindo que «nós não esquecemos Timor», o governo português – de Cavaco Silva – negociava os termos em que reconheceria a integração do território na Indonésia, perante o silêncio (cúmplice ou desinteressado) de outras forças políticas.

A partir de Novembro de 1991, e da divulgação das imagens televisivas do massacre perpetrado pelas forças indonésias no cemitério de Santa Cruz, em Dili (que esteve longe de ser o único), foram muitos mais os que despertaram para a causa de Timor-Leste e para a urgência de garantir a sua independência: durante essa década e o início do novo milénio, a solidariedade não parou de se alargar e abranger novos sectores. Dezenas de vigílias, concentrações e manifestações expressaram essa exigência, forçando os governos portugueses e as próprias Nações Unidas a assumirem a causa do povo timorense, enfrentando não só a Indonésia como também os EUA e a Holanda (antiga potência colonizadora da Indonésia, que acabou por se transformar na representante dos interesses do regime militar).

A conquista da independência de Timor-Leste resultou da combinação de dois factores: a persistente e corajosa resistência do seu povo, organizado e combativo, e a solidariedade internacional. É uma lição, e um estímulo, para a luta de outros povos, que – como o povo timorense – continuam a bater-se pelo seu direito à paz, ao desenvolvimento à soberania, ao desenvolvimento.

 



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