«A Festa é o evento cultural que me causa emoções mais intensas»
Tem uma longa carreira artística e uma obra que encontra na música popular e tradicional a sua principal fonte de inspiração. Sebastião Antunes, nesta entrevista ao Avante!, fala-nos dessas raízes que enformaram o seu próprio caminho e a sonoridade da sua música. Revela também a razão que o leva a estar preocupado com a guerra e a ser um firme defensor da paz.
A guerra é uma preocupação que não me abandona
O Sebastião Antunes, desde a fundação em 1991 do grupo “Quadrilha”, construiu uma obra significativa e importante com raízes na música e na poesia tradicionais portuguesas. Como se constrói em Portugal uma carreira que tem de defrontar as correntes mais divulgadas e consumidas da música ocidental internacional e das versões portuguesas construídas a partir desses géneros, nomeadamente o hip hop e o rock?
Desde o início da minha carreira que sempre tive um objectivo muito claro. Fazer músicas originais a partir de elementos da tradição, quer no campo da música e letra quer no campo dos próprios assuntos. É difícil estar sempre a lutar contra modelos comerciais megalómanos, mas o mais importante é ir percebendo que também temos um caminho e foi neste mesmo caminho que fui concentrando as minhas atenções.
Para além da música tradicional portuguesa, o Sebastião Antunes inspira-se também, para as suas composições e arranjos, na sonoridade de raiz celta.
Qual é a familiaridade que encontra entre a música tradicional portuguesa e a música celta?
Particularmente no norte de Portugal há muitas cantigas de matriz comum. Encontramos muitos romances que também se contam e cantam na Irlanda ou na Bretanha. As músicas de cariz tradicional vão beber muito aos elementos da natureza como: as fontes, o amanhecer, as florestas e os regatos que serpenteiam por entre elas. Amores e desamores que se perdem nas distâncias. Para além de que tudo isto também remonta muito ao universo da escrita medieval.
Muitas letras que canta parecem referir-se, usam vocabulário ou recordam lendas de um mundo rural português que aparenta estar em decadência, fruto de muitas mudanças produtivas, da excessiva urbanização, da desertificação do Interior, do envelhecimento demográfico e de uma economia pensada para a maximização do lucro, entre outros factores. Sente que está a cantar um passado que já não existe ou, pelo contrário, está a cantar um estilo de vida que tende a revitalizar-se?
Numa abordagem mais breve poderia até pensar que canto um universo que tende a desaparecer mas o imaginário popular é um património vivo. Se por um lado os grandes encantos das pequenas coisas parecem estar a ficar submersos neste processo demolidor que vivemos todos os dias, também nunca tivemos tantas ferramentas para manter estas nossas formas de identidade.
O que me parece que devemos ter algum cuidado é que agora até uma boa parte dos nossos tesouros identitários nos são vendidos em formatos de pague 2 leve 4. Apesar de tudo sou uma pessoa positiva e considero que o melhor é trabalhar todos os dias na escrita para que cada um vá fazendo um bocadinho.
Várias canções suas não se referem ao mundo e à cultura rural da pergunta anterior. Por exemplo, a canção “Coração Digital”, de 2022, faz uma crítica às relações pessoais e amorosas sustentadas com base na comunicação pelas redes sociais. Porque é que tem essa preocupação?
Esta música revela uma certa crítica mas tem uma origem divertida. Eu dou aulas a várias turmas de alunos sénior e por lá fui descobrindo muitos amores que despertavam entre eles. Dei por mim a apanhá-los várias vezes a trocar imógis e pequenas comunicações às escondidas pois eles esqueciam-se de desligar o som dos telefones.
Se por um lado as pessoas quase parecem abandonar o mundo real também me encanta esta forma de juventude.
Na apresentação do seu trabalho publicada no seu website (https://sebastiaoantunes-quadrilha.com/) diz que é muito importante que os jovens se identifiquem com a sua música. Quais os motivos desta afirmação?
A música ou qualquer outra forma de cultura é sempre um processo geracional e por isso são sempre os mais novos que, se estiverem identificados com os nossos elementos culturais, os vão levar para as suas vidas e depois passá-los para a geração seguinte.
Só assim a cultura popular se pode prolongar no tempo, tomando até novos elementos e formas de comunicação.
Há cerca de um ano lançou uma balada, “Poema em P”, com uma letra feita só com palavras começadas em “p”, onde se pede que todos exijam a Paz e se diz “políticos não ponham na panela a pomba da paz”. Esta é a sua maior preocupação nos dias de hoje?
Esta letra é da escritora Luísa Ducla Soares. É uma parceria entre os dois. Mas sim! A guerra é uma preocupação que não me abandona. Nunca me pacifiquei com o facto de tantas pessoas sofrerem com isso. Sei que é utópico mas um mundo em que a guerra não fosse solução para o que quer que seja seria maravilhoso.
Sei que a guerra faz parte da história mas desculpem-me, não me sinto obrigado a entendê-la.
Que opinião tem da Festa do Avante!?
Para mim é sempre um momento muito especial em cada ano. É o evento cultural que me causa emoções mais intensas.
Para mim são três dias muito felizes.