Atitudes, dualidades, sinceridades e necessidades
Portugal necessita de romper com o rumo de crescente submissão e dependência e defender os seus interesses
Uma proliferação de artigos e entrevistas têm vindo a ser publicadas em torno dos problemas da segurança e defesa, sendo denominador comum a apologia da guerra, da corrida armamentista, o agigantar dos perigos. Dirão alguns que se trata da visão realista e que ignorá-la só contribui para desguarnecer a atenção. Há, contudo, um por-maior que é o nada ou muito poucochinho ser referido no que respeita a acções para a paz. Ou seja, para essa vasta plêiade de analistas, a paz, os caminhos para lá chegar, está não só arredada do pensamento, como quem em tal fala sujeita-se a levar com o carimbo de renegado. E no entanto, vemos como a China mediou um acordo entre diversas estruturas palestinianas, procurando criar condições para uma solução de governo estável no futuro e vemos também como recebeu o Ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia sendo, pelas notícias vindas a público, o caminho para a paz matéria presente. Compreenda-se que não se está aqui a tecer juízos sobre conteúdos que, além do mais, não se conhecem na real dimensão. Está-se somente a pôr em evidência duas atitudes perante os conflitos em curso e os reais perigos, que não se negam, de alastramento. Como temos dito e redito ao longo dos meses, não é a falar em armas e mais armas que se constrói o caminho para a paz. E não é usando a propaganda da guerra que se constroem as respostas para os problemas a que as Forças Armadas portuguesas foram conduzidas por acção de sucessivos governos do PS, do PSD e CDS. Pensar, como alguns parecem fazer, que agigantando os perigos se amedronta a população e com isto ela passa a anuir a quaisquer decisões que o poder político adopte, não é caminho saudável, desde logo para o regime democrático. Por exemplo, as recorrentes noticias sobre o acompanhamento de navios russos que passam ao largo das nossas águas é ridículo, porque há muitos anos, como qualquer português que tenha passado pela Marinha sabe, isso é prática corrente. Dirão mais uma vez alguns que hoje há novos perigos. Certo! Há hoje, como sempre foram havendo novos perigos face a momentos anteriores. O que a vida mostra é que os que hoje assim argumentam, ignoraram durante anos as novas dimensões das ameaças, conduzindo em várias áreas as capacidades nacionais à mingua. Preocupa-os umas ameaças, mas não os preocupam outras. As ameaças à soberania alimentar. As ameaças à dependência na produção industrial e tecnológica, etc. Olhe-se para o recente caso de paralisia nas redes de serviços essenciais em todo mundo, porque uma empresa norte-americana decidiu fazer, com um erro, uma actualização do seu sistema contra ataques informáticos.
Em recente entrevista ao DN, Ana Miguel Santos (PSD), para ilustrar a necessidade de investimento na área da defesa e do contributo que o mesmo pode dar para a economia, disse o seguinte «veja este caso em Espanha: quando a Espanha anunciou, há umas semanas, 1000 milhões de euros de apoio à Ucrânia, a maior parte desse apoio, deste armamento, é da indústria espanhola(...)». O que Ana Miguel Santos não disse e a jornalista não perguntou foi sobre a responsabilidade do seu partido na destruição do aparelho produtivo nacional, a começar nas indústrias de defesa. Olhe-se para o Arsenal do Alfeite, relembre-se o papel do actual presidente da Assembleia da República, Aguiar Branco, no que respeita aos estaleiros de Viana do Castelo, aos hospitais das Forças Armadas e o que estava encaminhado para o então chamado Laboratório Militar. A técnica é sempre a mesma: falar do futuro ignorando as responsabilidades do passado, procurando prosseguir no futuro as opções do passado, porque a realidade mostrada e demonstrada é que não há opções que sirvam realmente o interesse nacional atrelados às opções de fundo que são decididas pelas potências da UE e da NATO. Idêntico pecado comete o deputado Luís Dias do PS em recente artigo com críticas aos 100 dias de inacção do actual MDN. Mas que respostas deu o PS no Governo? Em recente entrevista, o MNE Paulo Rangel é sincero: «esta relação (Portugal/EUA) é de tal maneira fundamental e está tão bem alicerçada e tão solidificada, tem corrido tão bem que, qualquer que seja o resultado das eleições americanas, não antecipo problemas de maior na relação bilateral entre Portugal e os Estados Unidos. Teremos sempre boas relações. Se olharmos bem para os dois fios condutores da política norte-americana, que tem impacto sobre nós - a Europa a Ocidental em geral – desde o início do século XXI, desde a Administração George Bush filho, Obama, Trump, Biden, o que vemos são dois pontos fundamentais: um é uma insistência enorme numa repartição equitativa da despesa militar, com a ideia de que os Aliados dos EUA têm de tomar em mãos aquilo que é a protecção da sua Segurança e da sua Defesa, contribuindo financeiramente e aliviando o esforço dos EUA. (…) Pode mudar o estilo, pode mudar a linguagem, mas de facto, nestes 24 anos que leva o século XXI, a política norte-americana teve esta constante (...)». Ou seja, cá estamos para dar cumprimento aos seus desígnios.
Portugal necessita de romper com o rumo de crescente submissão e dependência e defender os seus interesses. Portugal necessita de uma política alicerçada na vontade soberana de decidir do seu destino.