Nicarágua celebra 45 anos da Revolução Sandinista

Luís Carapinha

O imperialismo subestimou as raízes históricas e populares do sandinismo

A 19 de Julho de 1979 as colunas armadas da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) tomaram Manágua e selaram o derrubamento da ditadura de Somoza. Consumava-se o triunfo da Revolução Sandinista no pequeno país centro-americano. A vitória da rebelião popular e a debandada final dos esbirros da feroz dinastia dos Somoza (o próprio ditador fugiu para Miami), que oprimira o povo nicaraguense durante mais de 40 anos, provocaram um efeito de choque em Washington, só superado pela proeza dos revolucionários cubanos 20 anos antes.

O triunfo sandinista acontece seis anos após o golpe fascista de Pinochet no Chile. Viviam-se os tempos de chumbo do terror e violência política contra os comunistas e a esquerda em geral, com o desenrolar no Cone Sul da Operação Condor, arquitectada pelo imperialismo norte-americano. Na Nicarágua, o poder venal dos Somoza, visceralmente enfeudado a Washington, representava desde os anos 30 o expoente da famigerada doutrina Monroe para as Américas, tratadas como «quintal das traseiras» dos EUA.

A saga da guerrilha da FSLN e o triunfo da revolução sandinista revelam um impacto que transcende as fronteiras da América Latina e adquire dimensão mundial. Como o testemunhou o amplo movimento de solidariedade internacionalista com a Revolução Sandinista e a FSLN, incluindo no nosso país.

De natureza profundamente popular e anti-imperialista, a revolução sandinista abriu verdadeiramente uma nova época da história do país, marcando o início de um caminho transformador e de progresso social, contra o qual o imperialismo e a reacção não pouparam meios, visando a sua desagregação e destruição. Em pouco mais de uma década (1979-1990), o poder sandinista resgata a soberania e independência nacionais, revitaliza o papel do Estado e dos serviços públicos, promove a alfabetização massiva e a democratização do acesso à educação e à saúde, realiza a Reforma Agrária, investe no saneamento básico e melhoria das condições de vida das populações, inicia uma nova política externa que privilegia o desenvolvimento das relações com Cuba, a URSS, os países do campo socialista e do Movimento dos Não Alinhados, organização que integra em 1979.

Os EUA elevam, a partir de 1981, a escalada desestabilizadora contra a revolução com a criação dos Contras, constelação de grupos terroristas armados e treinados pela CIA. O financiamento era assegurado pelo narcotráfico e a venda clandestina de armas ao Irão, já sob o poder dos ayatollah e em guerra com o Iraque, operação que ficou conhecida como o escândalo Irão-Contras. O desgaste de uma guerra de terror que se prolonga até ao final da década e da desestabilização económica, aliados à intensa campanha de desinformação e ingerência política, acabam por lograr a inversão do voto dos nicaraguenses e a mudança do governo. A FSLN é derrotada nas eleições de 1990, depois de alcançar, em 1984, a maioria absoluta (67%). O triunfo eleitoral da contra-revolução coincide com o fim do campo socialista na Europa e a dissolução da URSS.

O imperialismo subestimou, contudo, as raízes históricas e populares do sandinismo. Constituída em 1961, a FSLN contou entre os seus fundadores e dirigentes mais destacados com revolucionários da dimensão de Carlos Fonseca, morto em combate em 1976. Produto da resistência contra a ditadura, a FSLN encarna o legado do exército popular de Sandino, conhecido como o «general dos homens livres», que em 1933 expulsou as tropas invasoras dos EUA. Foi assassinado no ano seguinte num complot dos EUA e a oligarquia local com a participação do general Somoza (pai). F. Roosevelt sustentou assim o apoio ao ditador: «[Somoza] é um filho da mãe, mas é o nosso filho da mãe».

A FSLN resistiu ao vendaval dos anos 90 e ao complexo processo de dissensão interna e adequação de rumo. Num contexto histórico e circunstâncias muito diferentes, no quadro da nova vaga emancipadora que se expandiu na América Latina com a eleição de Hugo Chávez e a revolução bolivariana na Venezuela, retomou o poder em 2007. Resultado da vitória nas presidenciais de Daniel Ortega, figura histórica da revolução, depois sucessivamente reeleito.

Passaram 17 anos do novo período de poder da FSLN. Não cessaram as campanhas criminosas de ingerência, agravadas pelas sanções arbitrárias dos EUA (e UE). Sempre lestas na invocação instrumental da democracia e direitos humanos. Em 2018, a vaga de violência golpista deixou um rasto de centenas de mortos. Foi derrotada com perseverança, firmeza e serenidade. Trump incluiu a Nicarágua na infâmia da «troika da tirania», ao lado de Cuba e Venezuela. Na mira do imperialismo, o país não claudicou. Sem os vínculos profundos da FSLN com as massas populares, a luta pela soberania e o progresso social não teriam prosseguido. O país está na ALBA, CELAC e desenvolve as relações com o BRICS. A Revolução Sandinista está viva e constitui a garantia mais firme do direito soberano do povo nicaraguense a decidir o seu futuro.



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