As teses do senhor ministro da Economia
Com esta política a economia não acelera e a exploração não abranda
Ao centésimo dia da agenda do Governo, o ministro da Economia foi ouvido no Parlamento numa audição que não ficará na memória de ninguém, mas onde se ouviu outra vez o vastíssimo pensamento económico que varre a opinião publicada, a academia, o Ministério e um Governo ao serviço da classe dominante, quase sem contraditório.
De antemão se adivinhava que o tema da audição seria as 60 medidas destinadas a «acelerar a economia», anunciadas previamente e vendidas pelo batalhão de comentadores e serviçais com selo de qualidade das confederações patronais. É mais uma peça da estratégia que está a ser aplicada a todas as áreas da governação e que só abrandará quando, em nome da «flexibilidade» e da «modernidade», chegarem à legislação laboral: anunciar muito, detalhar pouco e fundamentar nada, para não haver o risco de serem escrutinados e desmentidos pela realidade e para tentar esconder a mão bem visível do capital monopolista que domina toda a economia e manobra todo o governo.
Das 60, nem uma foi quantificada nos custos, prazos e objectivos, nem os destinatários foram identificados. São medidas para «as empresas», como se o talho do senhor Martins e a Jerónimo Martins fossem a mesma coisa e como se não fosse uma evidência empírica que as grandes empresas esmagam as pequenas ou como se a política do Governo olhasse para as dificuldades das MPME com o mesmo amor com que protege e favorece a acumulação astronómica de lucros.
Ninguém tinha dúvidas de que as medidas, onde surge à cabeça a redução do IRC e mais benefícios fiscais, foram escritas pelos grandes patrões à medida dos seus interesses. Porque se fossem medidas dirigidas às MPME focar-se-iam no aumento geral e significativo do poder de compra dos trabalhadores – uma vez que 85% das empresas dependem do mercado interno – e na redução dos custos com energia, crédito, seguros, combustíveis, matérias-primas, telecomunicações, ou seja, tudo o que representa, em média, 70% dos custos das MPME e que são fornecidos, precisamente, pelos monopólios geridos pelas grandes empresas.
Mas o ministro insistiu em disfarçar e assegurou que tudo foi «trabalhado, desenhado e pensado com os empreendedores, os investidores e stakeholders» e que há «fichas técnicas onde tudo está detalhado». No entanto, ao fim de mais de três horas, nem por iniciativa própria, nem perante os questionamentos do PCP foi dado um único esclarecimento, muito menos um de ordem técnica. Por esquecimento não foi certamente porque a fraude só sobrevive assim.
Afirmou-se até à náusea e com ar credível e sério que «apoiar as grandes empresas é apoiar toda a economia», que «ajudar as grandes empresas é beneficiar as MPME»,como se o abuso de posição dominante não existisse todos os dias, e que «as MPME gostam das grandes empresas porque é com elas que se podem modernizar, internacionalizar e ganhar escala».
E toda esta alarvidade só podia conduzir à tese central: «sem crescimento económico, sem empresas a ter lucros e o aumento da produtividade não há condições para aumentar os salários». Assim, de uma penada, se quer negar que os lucros e a acumulação capitalista só existem precisamente à custa da exploração dos trabalhadores e da compressão do preço da força de trabalho – o salário – e que, apesar dos lucros serem obscenos, nem assim os salários aumentam em proporção sequer similar.
A tudo foi dizendo «o que eu ouço as empresas dizer é que precisamos de», sempre seguido de uma expressão mágica que não diz nada, mas que soa sempre bem, como «crescer», «ser competitivos», «ser mais produtivos», «ser mais inovadores», «ser mais atractivos», «ter menos impostos», «fusão de empresas», «ganhos de escala». Nunca revelando que quem lhe fala ao coração são as 43 grandes empresas da Businees Roundtable Portugal e não as MPME.
Uma coisa é certa, com esta política a economia não acelera, a exploração não abranda e sem luta os trabalhadores e o País vão ficar a marcar passo.