Manuel Valadares: físico, comunista e partidário da paz

Jaime Rocha

Manuel Valadares foi um destacado activista do movimento da paz

Na sua luta pela emancipação social, os trabalhadores contaram sempre com a participação de elementos de oriundos outras camadas. Nestas linhas, lembramos o papel de um destacado investigador, membro do PCP, que associou um percurso fascinante no âmbito da investigação científica à participação política e cívica, pela libertação de Portugal do fascismo, e na defesa de um valor fundamental: a paz.

Falamos de Manuel Valadares, físico, nascido em Lisboa a 26 de Fevereiro de 1904, já lá vão mais de 120 anos. Após concluir os estudos na Faculdade de Ciências de Lisboa, em 1927, estagiou no Instituto de Rádio de Genebra e doutorou-se em Paris, sob orientação de Marie Curie, nas áreas da Espectrometria e Raios X. Em Paris, trabalhou num instituto que estudava as obras de arte do Museu do Louvre, o que o levou a, logo que regressou a Portugal, fundar no actual Museu Nacional de Arte Antiga o primeiro laboratório de investigação num museu nacional a utilizar as novas ferramentas que a Espectrometria e os Raios X davam no campo da análise das obras de arte.

Cedo obteve projecção internacional. Desenvolveu ainda trabalho em Itália, mas o seu foco foi sempre o de contribuir para o desenvolvimento científico do nosso país. Com três companheiros do Laboratório de Física da Faculdade de Ciências de Lisboa, fundou em 1943 a revista Portugaliae Physica.

Resistência e exílio
Valadares aliou a vontade de promover o desenvolvimento científico ao comprometimento com a luta por um país mais justo, livre do fascismo. Em 1945 participou no MUD, tendo sido um dos protagonistas da sua fundação. Membro do PCP desde 1946, participou no desenvolvimento de contactos entre a direcção do Partido e outros elementos da oposição, desde logo na preparação do IV Congresso do Partido, em Junho desse ano. Fez, também, relevante trabalho partidário na Universidade de Lisboa. Nestas actividades clandestinas utilizou os pseudónimos «Sousa» e «Novais».

O fascismo, percebendo o perigo que significava o desenvolvimento da consciência social e política nas universidades – ao mesmo tempo que respirava de alívio por não se concretizarem os prognósticos de alguns opositores ao regime de que os EUA e o Reino Unido iriam contribuir para a democratização de Portugal em resultado da derrota do nazi-fascismo em 1945 –, forçou a demissão, em 1947, de várias dezenas de professores e investigadores, à semelhança do que já havia feito na década de 1930 a propósito da assinatura forçada da «declaração anticomunista» pelos funcionários públicos. Manuel Valadares foi um dos demitidos, apesar da corajosa tentativa do director do Laboratório de Física o impedir – que esbarrou na indiferença da direcção da Universidade, comprometida com o fascismo.

Forçado a ter de desenvolver a sua actividade profissional fora do país, rumou a Paris em Novembro de 1947, onde os seus méritos foram reconhecidos, chegando às mais altas responsabilidades dentro do prestigiado CNRS – Centre National de la Recherche Scientifique, sendo director do seu Centro de Spéctrométrie Nucléaire et de Spéctrométrie de Masse.

Apesar de residir em Paris, Manuel Valadares continuou a desempenhar as tarefas que o seu Partido e as estruturas unitárias mais relevantes de então lhe colocavam. E, à cabeça, a participação na luta pela paz, num momento em que a Humanidade se via confrontada com a ameaça de uma nova guerra, na sequência da corrida aos armamentos provocada pela crescente agressividade do imperialismo face à União Soviética, que levou à criação da NATO.

Na procura da criação da unidade em defesa da Paz, tarefa difícil como bem sabem os comunistas de hoje, Manuel Valadares participou em 1948 no Congresso Mundial dos Intelectuais pela Paz, na Polónia, com centenas de delegados de 45 países – entre os quais destacados intelectuais portugueses, como o compositor Fernando Lopes-Graça, o escritor Alves Redol, os médicos João dos Santos e Hermínia Grijó e a bióloga Maria da Costa. Dois anos depois, participou no II Congresso Mundial da Paz, que acabou por decorrer em Varsóvia (as autoridades britânicas impediram a sua realização em Sheffield) e no qual foi eleito para o Conselho Mundial da Paz.

Finalmente, em Portugal
Só após o 25 de Abril Manuel Valadares voltou a Portugal. Merecidamente, recebeu reconhecimento pela carreira que desenvolveu, mas que o fascismo impediu que contribuísse para o desenvolvimento científico e tecnológico do País. Foi declarado membro honorário da Sociedade Portuguesa de Física, em 1978; oficial da Ordem de Sant’Iago de Espada, em 1979; e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Lisboa, em 1981. Um auditório do antigo edifício da Faculdade de Ciências de Lisboa ostenta o seu nome.

Prestigiado militante comunista e lutador pela paz, faleceu em Paris a 31 de Outubro de 1982.

 



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