Os lunáticos tomaram conta do hospício?
«Demência» tornou-se na palavra mais discutida nas redes sociais dos EUA. Do New York Times à Oprah, o coração do império quer saber se o candidato Joe Biden está demente. Na sociedade do espectáculo tudo é redutível a formas de entretenimento consumíveis, vaticinantes, alegóricas: à medida que a hegemonia do império se aproxima do fim, proliferam as séries televisivas apocalípticas, com ou sem zombies; quanto mais a «liberdade» do capitalismo se revela opressiva e claustrofóbica, mais cresce a febre por programas sobre a vida na prisão, seja ela de mulheres, no estrangeiro, de alta segurança ou de adolescentes; quando Biden, em directo no espectáculo-debate com Trump, se mostra incapaz de conduzir o próprio raciocínio ou formar frases coerentes, devemos procurar a demência grande — a que não é visível sob os holofotes dos estúdios.
Não é só Biden que está demente, é todo o aparelho do Partido Democrata (PD): discute-se abertamente se Biden reúne as faculdades mentais exigidas a um candidato quando ele ainda será presidente durante pelo menos mais seis meses. Quando os barões do PD proclamam que Biden está demente e por isso não pode ser candidato, mas que pode continuar a ser presidente até às eleições, estão a admitir implicitamente que não é pessoalmente Biden quem tem o poder — o problema não se coloca ao nível do poder executivo do Presidente, mas ao nível representativo do candidato. Biden não tem de saber tomar as decisões certas, mas tem conseguir comunicá-las. Biden é o resultado da demência do partido que o escolheu entre milhões de membros e o decidiu atirar para os debates com Trump antes sequer da convenção nacional que o deveria confirmar como candidato e agora está condenada à autofagia mais brutal.
Se Biden está demente, todo o sistema político e judicial estado-unidense também está. Na segunda-feira, o Supremo Tribunal decidiu por maioria que os presidentes dos EUA são «imunes à lei», pelo que Trump não poderá ser condenado por crimes cometidos no exercício das suas funções. Trata-se, justifica o Supremo, de credenciar o comandante-em-chefe com a «capacidade de tomar decisões ousadas e sem hesitações». Em comunicado, Sonia Sotomayor, uma entre três juízes do Supremo que votou contra a decisão, explicou que, desde esse dia, «o presidente é um rei acima da lei» que pode legalmente «mandar assassinar um oponente político» ou «dar um golpe de Estado».
Haverá maior demência do que transformar um presidente supostamente demente num autocrata com poderes absolutos? Trump não pareceu demasiado preocupado: ele sabe que mesmo que pareça que os lunáticos tomaram conta do hospício, o hospício continua a pertencer aos donos.