Montenegro e o empréstimo
Afinal quanto custa ao País esta desvalorização da Administração Pública a que temos assistido?
«O senhor deputado pergunta-me: está disponível para subir o salário mínimo hoje para 1000 euros? Está disponível para aumentar já os salários todos da Administração Pública? Eu disponível estava… quase me apetecia dizer: quanto é que me empresta para isso?»
Foi assim que o primeiro-ministro Luís Montenegro respondeu, na Assembleia da República, às questões colocadas pelo Secretário-Geral do PCP, Paulo Raimundo, no último debate quinzenal. Apesar da contra-resposta ter sido dada na altura própria, vale a pena debruçarmo-nos sobre estes argumentos de Luís Montenegro, que são todo um programa político.
Na primeira das respostas, o primeiro-ministro recorre ao habitual equívoco, que é o de apresentar o aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) como uma questão orçamental. Um aumento do SMN, por si só, não prejudica as contas públicas, uma vez que, do lado da receita, aumentaria a receita em impostos, essencialmente por via do IVA, com um aumento do consumo por parte de todos os trabalhadores (sectores público e privado); e, em menor grau, também por eventuais aumentos da receita em IRS. Do lado da despesa, tem um impacto limitado, uma vez que há apenas uma categoria profissional da Administração Pública com média salarial abaixo dos 1000 euros – os assistentes operacionais, que correspondem a não mais do que 22,5% dos trabalhadores da Administração Pública.i
Na segunda das respostas, um novo lugar-comum: a ideia feita de que não há dinheiro para aumentar os salários na Administração Pública. Aqui, é preciso recordar que os trabalhadores da Administração Pública estão a perder poder de compra há mais de 10 anos; é preciso dizer que Portugal é dos países da OCDE com menor percentagem de trabalhadores da Administração Pública (25.º lugar em 36 países)ii; mas é preciso também afirmar que a desvalorização salarial dos trabalhadores da Administração Pública sai cara ao País, também no plano orçamental. É que por causa desta desvalorização salarial, as entidades públicas são empurradas para a externalização de serviços (ou outsourcing), muitas vezes com custos muito superiores aos que seriam suportados com a contratação de trabalhadores para essas funções. Basta ver o exemplo da Saúde, em que mais de metade do orçamento dirige-se à «aquisição de bens e serviços», grande parte destes passíveis de serem internalizados, se fossem contratados os médicos e outros profissionais de saúde e se fossem feitos os investimentos necessários em equipamentos.
Em vez de desconversar, o primeiro-ministro faria bem em fazer estas contas: afinal, quanto custa ao País esta desvalorização da Administração Pública, a que temos assistido pela mão de diferentes governos? Quanto custa termos carreiras cada vez menos atractivas, para depois se gastar milhões em contratações de serviços externos? Quanto custa a perda de conhecimentos que, com este modelo de outsourcing, não ficam «na casa», não são transmitidos, quando isso seria tão necessário, até em face do aumento da média etária na Administração Pública?
Ao contrário da ideia que o Governo pretende fazer passar, existem recursos para valorizar os serviços públicos (e, já agora, para cumprir com as promessas eleitorais). Não fosse a obediência cega às imposições orçamentais vindas de Bruxelas; não fossem, por exemplo, os mais de 1100 milhões de euros em PPP rodoviárias; não fossem os regimes fiscais de privilégio e a recusa em enfrentar os paraísos fiscais para garantir a tributação em Portugal dos lucros realizados no País; e, convenhamos, não fosse o projecto político deste Governo aprofundar o rumo de degradação dos serviços públicos, para levar a água ao moinho do objectivo, sempre presente, de transformar os serviços públicos em grandes negócios privados, para benefício de alguns.