Chico: 80 anos de vida com um cheirinho a alecrim

Nuno Gomes dos Santos

Chico Buarque actuou na Festa do Avante! em 1980, actuando para «uma das maiores plateias» da sua vida

Quando cá esteve pela primeira vez era um puto, mas já não andava à toa na vida a ver a banda passar. Nunca andou. Compondo, cantando, escrevendo, comprometendo-se, defendendo valores de solidariedade, liberdade, fraternidade e progresso, o Chico, o do «Cálice», o da «Ópera do Malandro» ou de «Tanto Mar», não se desviou do estatuto que a si próprio impôs de enfrentar a(s) ditadura(s), o saudosismo fascista, o empecilho que as forças de direita sempre foram, usando a repressão, as prisões, a tortura para, em nome do povo, derrotar os sonhos desse mesmo povo, sofrido e burlado por charlatães perigosos dos quais Bolsonaro é um exemplo recente. Em Portugal saímos dessa com a Revolução dos Cravos.

O Chico amigo do nosso Abril – «Lá faz Primavera, pá, cá estou doente, manda urgentemente um cheirinho de alecrim» – recebeu, em 2023, o Prémio Camões com que foi distinguido em 2019. O atraso na entrega ficou a dever-se, nomeadamente, ao facto de Bolsonaro ter protelado a assinatura do documento, tão distraído com sua doença (padecia de fascismo obstrutivo crónico…) que nem queria acreditar que seria derrotado por Lula da Silva, não pela força mas pelo voto popular…

O cantautor, poeta e escritor já tinha recebido, em Portugal, a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, em 1966.

Em 1976, estando o dramaturgo e encenador Augusto Boal exilado e a trabalhar em Portugal, mandou-lhe uma carta em forma de canção, numa cassette, menos fácil de ser apanhada pela censura, tanto mais que foi trazida em mão por pessoa de confiança, com o título «Meu caro amigo». A carta-canção habilmente denunciava a situação no Brasil, escasso de liberdades e prenhe de ditaduras.

Esteve em Portugal várias vezes e não terá sido das menos importantes a sua visita ao nosso país em 1980 para participar na Festa do Avante! onde actuou, segundo disse, para «uma das maiores plateias» da sua vida.

Não estando sozinho, Francisco Buarque de Holanda, nome deste Chico de que falamos, trabalhou musical e, pelo visto, politicamente, com nomes que são música para os nossos ouvidos: Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa, Mercedes Sosa, Nara Leão, Maria Bethânia, Elba Ramalho, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, João Cabral de Melo Neto e por aí fora, que a lista não pode ser exaustiva e com perdão dos não mencionados que, felizmente, são muitos.

Os anos foram passando e o «nosso» (sabe bem dizer assim!) Chico acaba de cumprir 80. Mais hão-de vir, para nosso benefício e de todos os que gostam de boas canções e bons livros, de pensar num futuro melhor, de verticalidade, qualidade e bom gosto. Aqui estamos nós a dizer que continuamos a ver a banda passar cantando coisas de amor, que é como quem diz Continuamos a ouvir-te e a ler-te, obrigado Chico, parabéns, desculpa mas só temos para te oferecer todo o tempo em que te ouvimos mais o que queremos ouvir-te.

Porque a nossa prenda és tu, meu caro amigo.

 



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