Negócio imobiliário ou direito à habitação?

As medidas neoliberais conduziram a uma grave situação no sector da habitação

As dificuldades de acesso à habitação – problema antigo em Portugal – agravaram-se seriamente nos últimos anos: os preços das rendas mais do que duplicaram numa década, bem como o valor das prestações dos empréstimos à habitação, com o desmesurado e brutal aumento das taxas de juro. A ausência de disponibilização e construção de habitação pública, a instabilidade no arrendamento (provocada pela liberalização do mercado e a facilitação dos despejos) e a pressão da procura estrangeira, por via do turismo e dos residentes não habituais, agudizaram a situação.

Face ao aumento da contestação, o anterior governo apresentou o programa + Habitação, sem soluções de fundo capazes de enfrentar o problema. Já o actual Governo PSD/CDS anunciou – com grande pompa – 30 medidas sobre habitação. Porém, e para lá das declarações, sobram as medidas que visam criar novas oportunidades de negócio para o grande capital, deixando as populações em crescentes dificuldades.

Soluções só para o capital

Não tomando qualquer medida para regular e reduzir o valor de rendas e prestações e disponibilizar habitação pública, o Governo pretende entregar património público ao grande negócio imobiliário por via de novas PPP. Parte da ideia neoliberal de que o Estado «não tem vocação» de gestor.

Mas faz mais: o Simplex urbanístico, a alteração da Lei dos Solos, o Bónus construtivo para habitação, o novo Código de Construção visam a completa liberalização do sector, o que conduzirá à construção desregrada e a impactos ambientais e urbanísticos que poderão ser irreversíveis. À lei da selva, portanto.

O pacote do Governo aponta também à reversão de algumas das poucas medidas de sentido positivo do + Habitação, desde logo de algumas restrições à expansão do Alojamento Local, e à reposição de incentivos aos chamados residentes não habituais. A eliminação da salvaguarda para os contratos de arrendamento anteriores a 1990 ameaça torná-los precários e de curto prazo, aumentando assim as rendas para os ditos «valores de mercado» – ou seja, especulativos –, atingindo sobretudo a população mais idosa.

Demagogia é também o que ressalta das «preocupações com a juventude», aproveitadas para transferir recursos públicos para a banca e a grande propriedade: é isso que sucederia com a eliminação do IMT (que significará menos recursos para o Estado e a incorporação desse valor nos lucros do promotor imobiliário), as anunciadas garantias públicas para o arranque do empréstimo bancário e o alargamento de critérios no subsidio às rendas – que, sem regulação, se transformaria numa transferência indirecta de recursos públicos para a grande propriedade.

O Governo foge ao investimento público e nega o direito à cidade, com a consolidação de uma organização do espaço urbano em função de critérios de classe.

Relativamente ao Alojamento Estudantil o Governo nada acrescenta face a objectivos anteriores e fica por saber a extensão e profundidade com que pretende mexer nos instrumentos de regulação urbanística.

O caminho que se impõe
Ao contrário do Governo, que propõe «mais mercado» (como se não fossem as opções neoliberais as responsáveis pela situação que se vive), o PCP aponta um caminho diferente, coerente com o projecto constitucional.

Num projecto de resolução entregue no dia 16, destinado a «Travar a especulação, garantir e proteger o direito à habitação», aponta a três objetivos fundamentais, com impacto imediato na defesa do direito à habitação de amplas camadas da população: travar o aumento das rendas e regular o seu valor (travando, ao mesmo tempo os despejos); estabilizar os contratos de arrendamento numa perspectiva de 10 anos; e pôr os lucros da banca a suportar as altas taxas de juro, desde logo por via da Caixa Geral de Depósitos e da definição de um spread máximo de 0,25% a praticar pelo banco público.

Como medidas estruturais, o PCP defende que o Estado assuma as suas responsabilidades enquanto promotor público de habitação, alargando a oferta e disponibilização de habitação pública de modo a suprir as carências identificadas. Em Portugal, a habitação pública não chega aos 2 por cento do total (havendo na Europa países em que a mesma atinge 18 por cento), sendo necessário identificar, reabilitar e disponibilizar imóveis do Estado que possam ser destinados à habitação, proibindo ao mesmo tempo a alienação de património público com características que permitam a sua utilização para fins habitacionais.

 



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