Ken Loach, A Arte pela Revolução
Todos os filmes de Ken Loach mergulham com coerência numa cultura política marxista
No Porto, no Batalha Centro de Cinema, até dia 20 de Novembro vai acontecer a extraordinária oportunidade de visitar a obra cinematográfica de Ken Loach. São duas dezenas de filmes de um cineasta política e socialmente empenhado que sem uma falha nem uma rasura denuncia a brutalidade da exploração capitalista, dos seus fios mais visíveis aos mais invisíveis, das suas formas mais directas neoliberais às mais sornas e indirectas dos socialistas e sociais-democratas que, como ele afirma, são «os inimigos da revolução», todos conluiados para que o estado de sítio que se vive favorecendo as oligarquias se mantenha inalterado.
O outro lado do cinema de Ken Loach é o mais evidente desmentido de que a arte comprometida com os valores sociais é estética e criativamente menor, por ser ele quem abriu os caminhos para a renovação do cinema inglês, rasgando novos horizontes para os jovens realizadores. Em Inglaterra há um cinema antes e outro depois de Ken Loach, o que diz tudo sobre ele como artista.
Todos os seus filmes mergulham com coerência numa cultura política marxista. Toda a sua extensa obra, sem nenhuma concessão, está centrada na descrição das condições de vida da classe operária, nos dramas pessoais e familiares provocados pela destruição das políticas públicas de bem-estar social, nas tragédias dos emigrantes clandestinos. Filmes e documentários para a televisão que fazem um retrato real e feroz do lado sombrio da Grã-Bretanha, retrato que se torna universal neste nosso tempo em que numa extensão sem precedentes, cada vez mais habitantes do planeta perdem a esperança e são atirados para a exclusão, a riqueza global vai-se concentrando num número cada vez menor de mãos. Em que em nome da racionalização e da modernização da produção, se regressa ao barbarismo dos primórdios da revolução industrial. Tempos de uma nova ordem económica fanática e totalitária. Uma nova ordem onde impera a hipocrisia e o cinismo das proclamações altissonantes das liberdades e dos direitos humanos enquanto se destroem direitos sociais, económicos e políticos alcançados em anos de duríssimas lutas.
Ken Loach lutou e luta sempre contra esse estado de coisas. Provocou e provoca imensa controvérsia entre os bem pensantes de direita e esquerda que consideravam e consideram insuportável o que classificam de radicalismo marxista e que é a luta pela conquista da dignidade humana numa sociedade que não tem nenhuma dignidade. Uma luta que todos as mulheres e homens de esquerda consideram necessária, urgente. Ken Loach é um coerente e obstinado lutador contra esse estado do mundo. A sua arma é a câmara de filmar que usa com um saber raro, com uma qualidade artística que o coloca entre os maiores realizadores de cinema de sempre. Os seus filmes, ao longo de cinquenta anos de trabalho, olham com uma impar lúcidez crítica política a devastação que as políticas neoliberais produzem nas paisagens sociais. Os seus protagonistas, sejam os anónimos mineiros e ferroviários que enfrentaram as políticas de Thacther e dos seus seguidores trabalhistas da terceira via, sejam os Eus, Daniel Blake são humanamente frágeis, que o seu olhar delicadamente indignado contra a opressão e o abandono a que o Estado os sujeita torna impressionantes, enormes, mesmo épicos.
Impõe-se a obra de Ken Loach num panorama artístico em que a classe operária, os trabalhadores, os que desde sempre foram e são oprimidos e explorados, foram quase completamente rasurados, o também explica que a sua obra, apesar de duas Palmas de Ouro conquistadas em Cannes, seja marginal nos circuitos comerciais, pelo que agora no Porto com Ken Loach: Planos de Resistência é uma oportunidade rara de a revisitar depois de em Lisboa ter estado, no primeiro decénio do séc. XXI, na Cinemateca Nacional, o que acaba por ser restritivo pelo que se espera que este ciclo se repita noutras cidades.