Nada de novo

Gustavo Carneiro

A mais recente reunião do Conselho Europeu, realizada há dias, apontou à criação de uma economia de guerra na Europa. O Senado dos EUA aprovou mais um pacote milionário de «ajuda militar» à Ucrânia, Israel e Taiwan. A NATO, principal instigadora do conflito que se trava no Leste da Europa, leva a cabo os maiores exercícios militares das últimas décadas, junto às fronteiras da Rússia. Confrontado com uma queda na sua popularidade interna, o presidente francês Emmanuel Macron defende o envio de tropas para a Ucrânia e há, também por cá, quem lhe gabe a «coragem». Nas Nações Unidas, a França contribui para inviabilizar um debate sobre os 25 anos da agressão da NATO à Jugoslávia e os perigosos precedentes que abriu.

A História não se repete, sabemo-lo, e uma análise objectiva da realidade exige que se evite cópias desajustadas. Mas também é certo que ela ensina, e não é surpreendente, que fenómenos semelhantes produzam consequências semelhantes.

Recuemos 110 anos, até à Primeira Guerra Mundial, um dos acontecimentos sobre o qual mais se escreveu, sobretudo no que respeita ao percurso que conduziu a tão trágico desfecho. Há autores que se referem a um conflito «que ninguém quis, mas que ninguém conseguiu impedir» e os que garantem que a guerra era esperada, mesmo que não necessariamente na altura em que deflagrou. Uns colocam a tónica nos ressentimentos antigos entre potências europeias, outros nas tentativas de redivisão do mundo. Realçam, alguns, o peso dos sectores militares e dos interesses ligados ao comércio das armas, e outros a densa teia de acordos que ligava as diferentes potências.

Poucos discordarão, porém, de que – como refere o historiador britânico Eric Hobsbawm – «a partir de um certo ponto, as inflexíveis mobilizações da força militar, sem as quais semelhante confrontação não teria sido possível, não podiam ser invertidas». E são muitos os que, como Martin Gilbert, salientam que a «resposta à mobilização foi extraordinariamente entusiástica». Em Paris como em Berlim, em Londres como em Viena, os que no Verão de 1914 partiram para a frente de batalha prometeram às mães e às esposas que estariam em casa pelo Natal. As vozes que defendiam a paz (e não eram assim tão poucas e tão frágeis) foram abafadas pelo rufar dos tambores.

O escritor alemão Erich-Maria Remarque descreve, no seu magistral A Oeste nada de novo, os horrores da guerra, na qual combateu: «Obuses, vapores de gases e formações de carros de combate: coisas que nos esmagam, nos devoram e nos matam. Disenteria, gripe, tifo: coisas que nos sufocam, nos queimam e nos matam. A trincheira, o hospital, a vala comum: não há outras possibilidades».

Não é com militarismo e belicismo que se põe fim à guerra – a História já o mostrou.

 



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