A verdade da História em tempos aziagos

Luís Carapinha

Reter a verdade e lições da História é um dever essencial nos dias actuais

Celebraram-se o mês passado os 80 anos do fim do cerco a Leninegrado na Segunda Guerra Mundial (II GM), jornada épica e trágica que durante quase 900 dias colocou à prova a abnegação, resistência e confiança na vitória do povo soviético. A guerra mundial de 1939-1945 ceifou mais de 60 milhões de vidas, das quais, cabe lembrar, 26, 6 milhões eram soviéticas. Em tempos de agravamento da crise estrutural do capitalismo, o poder dominante intensifica as campanhas desinformativas e de instrumentalização do passado para apagar o seu sacrifício e a memória da façanha histórica da URSS e da resistência antifascista na II GM.

Querem subverter a verdade e reescrever a História para ocultar que na guerra mais destrutiva do capitalismo – e da história – foram os comunistas e os antifascistas que estiveram na primeira linha do combate às tropas de Hitler, na resistência ao nazi-fascismo. E, simultaneamente, branquear o fascismo, os seus cúmplices e crimes. De forma perversa, o imperialismo alimenta hoje a tragédia da guerra na Ucrânia e sustenta um regime que consagrou «heróis nacionais» os cúmplices e torcionários da ocupação nazi na II GM e que, em 2014, não hesitou em lançar os batalhões neonazis, recém-formados após o golpe de Estado da Maidan, contra a população do Donbass. Uma guerra que afronta a memória dos milhões de soviéticos (ucranianos, russos, bielorrussos, georgianos, etc.) que deram as vidas pela libertação da Ucrânia na II GM. Em Gaza, a fogo e ferro, Netanyahu e o regime sionista de Israel escoram-se nos horrores do Holocausto como justificação do massacre em curso na Palestina ocupada e da acção genocida de limpeza étnica!

A manipulação da memória e a reescrita da história são colocadas ao serviço da tentativa de perpetuar uma hegemonia imperialista condenada. A tentativa de impor uma famigerada «ordem internacional baseada em regras» – lavradas em Washington – significa a negação do direito e arquitectura internacionais resultantes da vitória sobre o nazi-fascismo, com a fundação da ONU e a aprovação da sua Carta em 1945.

No ano em que se assinala o 85.º aniversário do início da II GM, é importante insistir na defesa da verdade. Lembrar que Hitler e o nazismo alemão não foram um acidente ou uma mera aberração trágica da história. A sua chegada ao poder, pela via eleitoral em 1933, não teria sido possível sem a cumplicidade do grande capital financeiro alemão (e internacional). Lembrar que até, praticamente, o início da guerra, em Londres, Paris e Washington (e Varsóvia) se alimentou a sinistra esperança de virar o expansionismo alemão contra a URSS, como aliás o mostrou o Pacto de Munique (1938) de partição da Checoslováquia, negociado com Hitler pela Inglaterra, França e Polónia.

Sobretudo, é importante relembrar que foi na frente Leste, em particular na URSS e no combate com o Exército Vermelho, que se acabou por decidir destino da II Guerra Mundial e também da liberdade e democracia no mundo. O verdadeiro dia D que traçou o destino da guerra contra o nazismo foram as Batalhas de Moscovo, de Stalinegrado, do Arco de Kursk e a batalha final de Berlim, que terminou com a rendição da capital do III Reich às tropas soviéticas, a 2 de Maio de 1945, e a rendição incondicional da Alemanha nazi aos Aliados (URSS, EUA, Grã-Bretanha e França) a 8-9 de Maio. Recorde-se que o tão badalado desembarque na Normandia dos aliados ocidentais e a abertura da segunda frente aconteceram apenas em Junho de 1944, quase três anos depois da sua exigência pela direcção soviética, numa altura em que a URSS já avançava irreversivelmente na libertação de todo o território soviético.

A verdade é que a proeza do povo soviético ao longo de 1418 dias de guerra não tem paralelo. O proclamado império de mil anos do III Reich foi fundamentalmente destroçado no «espaço vital da URSS». A verdade, sempre escamoteada pelo pensamento único e a ideologia dominante, é que a coluna vertebral da Wehrmacht foi aniquilada na frente soviético-alemã e, no total, a URSS foi responsável por cerca de 75% dos esforços militares empreendidos pela coligação anti-Hitler.

Reter a verdade e as lições da História é um dever essencial nos dias actuais de grande turbulência internacional e ameaças à Paz no mundo.

 

 



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