Contra o racismo, a xenofobia e a hipocrisia moralista

Rui Fernandes

Todos devem poder usufruir dos direitos humanos e das liberdades fundamentais

O final de 2023 e o início do ano em curso foram pródigos em notícias sobre imigração – com vários estudos, dados e considerações – e, como epílogo, as decisões adoptadas ao nível da UE de natureza restritiva e saudadas pela extrema-direita.

Lusa

Vivemos tempos em que a crise estrutural do capitalismo faz correr grandes riscos de regressão social e democrática e mesmo a generalização de guerras. Não há engenharia que iluda os problemas que atingem a UE, assim como não há escrita criativa que esconda o rumo crescentemente antidemocrático que enforma a União Europeia e, consequentemente, o reforço do seu carácter neoliberal, militarista e federalista.

O que vem sendo implementado é uma política de aumento da exclusão social, de segregação, de «portas-fechadas»; de olhar os imigrantes como os causadores das chagas sociais e do desemprego; uma política incentivadora da ilegalidade, do esquema gerador de dramas humanos. Uma política que separa famílias; uma política de reuniões, seminários e cimeiras onde imigração, terrorismo e crime aparecem propositadamente ligados para induzir errados raciocínios.

Como bem sabemos, e a história comprova, a migração é aproveitada, desde sempre, para fazer a rodagem aos motores do nacionalismo exacerbado e da xenofobia e para aplicar a velha fórmula de dividir para reinar. Num contexto onde o mercado de trabalho está cada vez mais desregulado e precarizado, os patrões olham para os imigrantes, quer em situação regular quer irregular (e a maioria não entra ilegal em Portugal mas pode acabar por ficar irregular, por incapacidade dos serviços públicos de dar respostas céleres), e esfregam as mãos com a possibilidade de aplicar o come e cala.

Hipocrisia e xenofobia
É neste contexto que as declarações de vários protagonistas da direita portuguesa, como Carlos Moedas ou Luís Montenegro – com sugestões de triagem de imigrantes nas fronteiras portuguesas – ou de olhar a imigração como resposta a necessidades do mercado e com contingentes de pessoas de que precisamos, ou ainda escolher imigrantes que possam interagir melhor connosco, que se possam integrar melhor na nossa cultura, na nossa identidade, conduzem à existência de um exército de mão-de-obra internacional que pode ser ora contratado, ora descartado, bem como a uma espécie de categorização entre os que desejamos e os que desprezamos.

Tudo isto devidamente coberto com o farisaico e hipócrita discurso moralista. É essa abordagem do problema que faz com que um migrante milionário que compra um visto gold seja bem-vindo, enquanto um migrante magrebino é deixado a afogar no Mediterrâneo. É por isso hipócrita que alguns que afirmam o que atrás é referido, alimentando concepções reaccionárias, apareçam depois a falar de uma cidade ou um País multicultural quando grupos neonazis, com acções que promovem, decidem desafiar provocatoriamente os valores que o Portugal de Abril afirma.

Na mesma senda, assistimos frequentemente a escritos ou comentário televisivo em que é tanta a simplicidade, quando não leviandade, com que alguns associam imigração a insegurança. Ora, a realidade está não só longe de ser assim, como este tipo de tratamento de uma matéria tão complexa só contribui para impulsionar climas de xenofobia e racismo e, consequentemente, caldos de cultura favoráveis a mais insegurança.

Os movimentos de extrema-direita que estão a sair da terra como os cogumelos do estrume gritam muito, mas nada mais pretendem que um regime de submissos. A insubmissão é hoje, como sempre, a defesa contra a berraria dos serventuários dos poderosos, usem eles as siglas que usarem.

Dignidade, igualdade e paz
Os movimentos migratórios são inevitáveis, porque sempre aconteceram e vão continuar a acontecer. Grande parte dos imigrantes em todo o mundo são protagonistas de um caminho de resistência contra a exploração, as desigualdades, o fatalismo de se ter o «destino» marcado apenas pelo lugar onde se nasceu. Grande parte dos imigrantes em Portugal, e no mundo, lutam apenas pela vida justa e digna a que todo o ser humano tem direito. Vêm para cá porque não podem ficar lá. Vêm, também, porque a União Europeia, as suas políticas, continuam a contribuir para que milhões sejam forçados a deixar os seus países de origem.

É útil lembrar que, tal como a Carta das Nações Unidas, também a nossa Constituição da República, que este ano comemora o seu 48.º aniversário, estabelece que todos devem poder usufruir dos direitos humanos e das liberdades fundamentais sem distinção de cor, língua ou religião, para que todas as crianças, mulheres e homens possam viver numa situação de dignidade, igualdade e paz.

É nesta luta que o PCP está hoje, como sempre esteve.

 



Mais artigos de: Argumentos

O princípio da derrocada do colonialismo português

O povo angolano, como os povos das outras colónias portuguesas em África, soube resistir ao longo de séculos à opressão e exploração estrangeiras. Após a II Guerra Mundial, essa resistência e os ventos de liberdade que sopravam na Ásia, América Latina e África favoreceram em Angola o...