O heroísmo, as lições e o legado do 18 de Janeiro de 1934

Gustavo Carneiro

Nada apaga o heroísmo e a coragem dos participantes do 18 de Janeiro


Há acontecimentos que o tempo não apaga. O levantamento operário de 18 de Janeiro de 1934 – faz hoje precisamente 90 anos – é sem dúvida um deles. Desde logo pelo que significou de acção revolucionária ousada e corajosa contra o fascismo.

Partindo da contestação à extinção do sindicalismo livre e à fascização dos sindicatos, inscritas no Estatuto do Trabalho Nacional, quadro «legal» copiado da Carta del Lavoro de Mussolini, que entrara em vigor no início do ano, as reivindicações que lhe estiveram na base iam muito para além disso: a valorização dos salários, a jornada de 8 horas, o fim da repressão e a defesa das liberdades, o derrube da ditadura.

Ao contrário de revoltas anteriores, dirigidas por republicanos ou por sectores militares desavindos, a greve geral revolucionária de 18 de Janeiro de 1934 foi uma realização da classe operária, unida pela primeira vez numa frente única composta pela CGT (anarco-sindicalista), a CIS (próxima do PCP) e a FAO (de tendência socialista). A curta duração desta unidade não lhe retira o significado.

 

Porquê a Marinha Grande?

A jornada fez-se sentir em vários pontos do País (Lisboa, Margem Sul do Tejo, Sines, Silves, Coimbra, Porto, etc.), com manifestações, paralisações, acções de sabotagem e confrontos com as forças repressivas, que dominaram rapidamente a situação. Na Marinha Grande, porém, as coisas passaram-se de forma diferente, tanto pela dimensão que o movimento ali assumiu como pelo grau de organização que revelou.

Com um proletariado numeroso e experimentado em múltiplas batalhas de classe, a Marinha Grande contava então com uma poderosa organização do PCP (de muito longe a tendência revolucionária mais enraizada entre os vidreiros). Nos meses que antecederam a jornada, multiplicaram-se as greves e as manifestações. Não havia fábrica que não tivesse uma célula do Partido e a Juventude Comunista gozava de forte prestígio entre os aprendizes.

Isolado, o Soviete da Marinha Grande resistiu ainda algumas horas, heroicamente. Acabou esmagado pela brutal repressão, envolvendo a polícia e as Forças Armadas. O elevado número de prisões e despedimentos, os julgamentos sumários, as condenações pesadas, as deportações e o assalto ao que restava das organizações sindicais foram regra nos dias e semanas que se seguiram ao levantamento operário.

Dos 152 presos que dois anos e meio mais tarde inauguraram o Campo de Concentração do Tarrafal, 57 tinham participado no 18 de Janeiro. Entre os que ali morreram contam-se os comunistas marinhenses Augusto Costa e António Guerra. Outros dois, Francisco da Cruz e Manuel Carvalho, tiveram o mesmo destino, o primeiro na Fortaleza de Angra do Heroísmo e o segundo no hospital de Leiria, na sequência dos maus-tratos infligidos aquando da sua prisão.

Era assim o fascismo e não há revisionismo histórico que o possa pintar de tons mais alegres…

Lições preciosas

Tal como muitas vezes sucede na História da luta dos oprimidos pela sua emancipação (basta lembrar a Comuna de Paris), é por vezes das derrotas que se extrai as mais preciosas lições. O 18 de Janeiro de 1934 foi uma dessas situações.

A palavra de ordem de greve geral revolucionária revelou-se desajustada, num tempo em que o fascismo se afirmava (em Portugal como um pouco por toda a Europa) e, com ela, os métodos de acção directa: a derrota do fascismo num só golpe confirmou-se – dramaticamente – um objectivo irrealista; a coragem, por si só, não chega para superar um inimigo poderoso.

O fracasso da insurreição, devido em grande medida a estas ilusões, não apaga o heroísmo e a determinação dos operários revoltosos, fossem eles comunistas, anarquistas ou socialistas. E permitiu ao movimento operário português extrair preciosos ensinamentos sobre táctica, estratégia e organização, que tão úteis lhe foram nos anos seguintes – dirigido já pelo PCP, que a partir do 18 de Janeiro se afirmou como o partido da classe operária e o grande dinamizador da resistência antifascista.

Mas não é só o passado que se honra quando se evoca a jornada heróica de 1934. É também o presente em que lutamos e o futuro que construiremos: resistindo ao fascismo em todas as suas expressões, combatendo a exploração e a opressão, afirmando a liberdade e os direitos que em Abril se conquistou. Esse Abril que também se fez daquele Janeiro.




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